OPINIÃO

A consciência humana em Henri Bergson

Sebastião Pereira do Nascimento*

A mente consciente ou a consciência, que, embora com dificuldade de conceituação, podemos chamar também de pensamento, raciocínio, inteligência, cognição, etc., é responsável por controlar nossas escolhas, decisões e emoções em todos os sentidos da vida, sejam eles importantes ou triviais. Por outro lado, a forma de como respondemos a estas questões da mente consciente, podemos até chegar à conclusão de que não fazemos muita ideia, ou mesmo nos perguntar até onde vai nossa própria consciência, ou ainda questionar o que se passa nela fora da nossa percepção consciente. De todas essas questões, o que sabemos é que para responder sobre nossa mente consciente é necessário ter consciência do que estamos falando.

A partir dessas questões, podemos pegar o gancho da psicóloga Vanda Maria da Silva, quando resume sobre a consciência — e sobre a consciência em Henri Bergson —, dizendo que, diante das concepções do senso comum, a consciência é o estado de estar plenamente ciente dos acontecimentos ou fatos. 

Consciência é definida em oposição à inconsciência, ou seja, a consciência é uma qualidade psíquica, isto é, que pertence à esfera da psique humana, sendo considerado um atributo da mente ou do pensamento humano, onde a consciência está intimamente relacionada com o “eu”, revelando uma conexão existente entre consciência e sujeito, de forma que a consciência pressupõe autoconsciência. Pois, não há como alguém estar consciente de alguma coisa, sem estar consciente de estar consciente dessa coisa.

No mesmo contexto, embora diversos pensadores e estudiosos da mente humana tenham se debruçado pela temática da consciência, nem um deles foi capaz de concebê-la de forma tão original e desvinculada do dualismo mente-corpo — questão tratada nos campos da metafísica e da filosofia da mente — até então predominante nas obras filosóficas, como fez o francês Henri Bergson, que não somente especificou seu funcionamento, como desvendou sua natureza.

Para o filósofo Bergson, a consciência é a memória. Para ele, uma consciência que não conservasse o passado morreria e renasceria sempre, e com isso, não seria consciência e sim inconsciência. Consciência seria, pois, a memória conservada e acumulada do passado no presente, com o objetivo de transformá-lo e, portanto, criar o futuro. Bergson destaca o futuro envolvido na consciência, onde a atenção é uma expectativa do que vai ser, sem essa expectativa não há consciência. A consciência se configura como antecipação do futuro e retenção do passado. O presente é apenas um elo que faz a junção necessária entre eventos passados e futuros.

Logo, para Henri Bergson, a consciência significa primeiramente memória. Esta não é uma definição, mas do ponto de partida do pensamento de Bergson culminará no conceito da consciência. O que propriamente a consciência tem a ver com a memória e com o tempo? Reter o que já foi e antecipar o que ainda não é, seria a primeira função da consciência. A qual parece então agir sobre essas duas dimensões do tempo, retendo o que já não é mais e penetrando no que ainda não é, porque a consciência é o traço de união entre o que foi e o que será ou pode ser a ponte entre o passado e o futuro.

O filósofo francês trata da questão da consciência como sendo memória e antecipação do futuro. Sobre a consciência como memória, ele afirma que uma consciência que não conservasse nada de seu passado, e que se esquecesse sem cessar de si própria, pereceria e renasceria a cada instante.

Então, como definir de outra forma o passado, o presente e o futuro no campo da inconsciência? Para Bergson, o presente é o campo da atenção do sujeito. Ele não é algo instantâneo, ele é movente e indivisível. É o passado e o futuro cada vez que a atenção do sujeito se faz. Se o presente pudesse ser totalmente separado do passado e do futuro, ele seria apenas o momento de um agir e fazer totalmente desprovido de consciência. Quando pensamos nesse presente como devendo existir, ele ainda não existe; e, quando o pensamos como existente, ele já passou.

O mesmo filósofo, portanto, considera que a consciência, ao buscar determinar uma antecipação do futuro, revisita as ações anteriores em padrões de semelhança com a situação que ora se apresenta ao sujeito. O futuro é antecipação, só podemos antecipar nossas ações, baseadas em nossas outras ações passadas. Nesse sentido, o futuro é uma repetição modificada do passado no presente. O futuro é, sobretudo, puro devir, sempre fora de si, sempre referenciado a um passado. Nada se cria, tudo se transforma. As determinações se invertem: o presente, sendo ação, a cada instante, já era, e o passado é o tempo todo, eternamente.

Desse modo, nossa consciência não enxerga somente o presente dos acontecimentos à nossa volta. Ela agrega ao presente um pouco do passado e um pouco do futuro ao ser colocada diante de qualquer percepção. A consciência processa esse movimento lembrando-se de como ele foi no passado e projetando como ele se dará no futuro imediato. A consciência é lógica e operacional, ela está voltada à nossa ação no mundo exterior. É, portanto, nossa ferramenta de sobrevivência.

Ainda na visão de Bergson, o homem busca prever e controlar os fenômenos para agir sobre eles. O mundo que vemos é o mundo dividido em unidades manejáveis delimitadas pelo espaço-tempo. É o mundo que nossa consciência nos apresenta, porque é o mundo que visamos. Não se trata de minimizar a importância da inteligência, mas sim de colocá-la em seu lugar de ferramenta voltada para a ação e que, por isso, é levada a se dividir.

Portanto, Henri Bergson vê a inteligência como mais uma das faculdades humanas, que tem sua razão de ser no próprio processo evolutivo da vida humana. Ela é fruto da consciência, ou seja, a consciência não se limita apenas a ela, e Bergson nos convida a ir além das limitações conceituais e imaginárias impostas pela inteligência e engendradas pela forma de ação e organização do intelecto.

Como exemplo, a matéria inerte não possui a capacidade de escolha, diferentemente do ser vivo, que tem consciência e o poder de escolha. A matéria nos remete à inércia, como nos diz Henri Bergson, uma pedra não pensa, não tem necessidades e não necessita escolher. Já o ser vivo é chamado a escolher, criar, etc. Num mundo em que toda a matéria está inerte, um campo de poder e necessidades rodeia o ser vivo. Ele pode e deve escolher, e com suas escolhas, mudar a ordem determinada das coisas inertes. Todos os nossos conhecimentos originam-se na vida e são orientados para as necessidades de sobrevivência. Portanto, a consciência é a própria vida.

*Filósofo, escritor, consultor ambiental. Autor dos livros “Sonhador do Absoluto” e “Recado aos Humanos”, editora CRV. Membro do corpo editorial da revista Biologia Geral e Experimental.

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