OPINIÃO

A falta moral como condição própria da extrema direita

Sebastião Pereira do Nascimento*

Desde os tempos primordiais, quando o homem começa a se organizar coletivamente, surgem as primeiras manifestações de vida social, regrada por diversos preceitos consensuais que disciplinavam o cotidiano da vida em comum. Diante desse processo de agregação do homem, deu-se o início da “consciência moral” nas sociedades primitivas.

A ideia da capacidade de discernir sobre o “certo” e o “errado”, também evidencia que os humanos sempre buscaram formas de estabelecer código de “bom convívio”, ainda que não imposto por um ente acima do grupo, mas construído de forma comum no dia a dia, com o intuito de proporcionar um conjunto de princípios e valores de boa convivência que baseiam uma sociedade.

No caso da consciência moral, Aristóteles define esta como uma das mais legítimas idiossincrasias humanas, muito importante na produção da realidade social, visto que toda pessoa ter um senso de valor, que se define também como uma habilidade intuitiva, e por isso está sempre avaliando e julgando suas próprias ações e as ações provenientes de seu corpo social.

Quanto à ideia moral em si, ela também reside em Sócrates, tanto na busca do conhecimento como no vislumbrar da felicidade no fim de cada ação. Essa dualidade tem por objetivo preparar o indivíduo humano para conhecer-se melhor, considerando que o conhecimento é a base do agir correto e o vislumbramento é o efeito da plenitude. Para Sócrates, o entendimento moral prima pelo bem do coletivo, onde a obediência à lei é o limite entre a civilidade e a barbárie. Pois, ainda segundo o filósofo, as ideias de ordem e coesão são a garantia da manutenção de uma sociedade saudável.

De outro lado, o que assistimos atualmente — no contexto da humanidade e particularmente no Brasil — é o fracasso da mobilização coletiva, submetido a um contínuo processo de desconstrução dos valores morais em detrimento das causas individuais, onde a pessoa manifesta seus mais intensos desejos de satisfazer seus próprios apetites, gerando sempre conflitos com o meio social em que vive. A pessoa que age assim está mobilizada para conseguir seus objetivos sem, contudo, reparar os meios para tais fins.

Ao citar o Brasil, deparamos com a profunda falta moral promovida pela sociedade e, em particular, pela “banda podre” dessa sociedade que, nos últimos anos, sem nenhuma virtude moral, passou apoiar de forma sinistra, nefastos políticos de extrema direita, dentre eles a malta bolsonarista que sintetiza as mais incoerentes e violentas pautas políticas, sendo as mesmas pautas defendidas por uma escória da sociedade que o apoia. Por questões obvias, essa malta é o que tem de mais legítimo de desvalor moral, e Bolsonaro é só mais um deles que, tomado pela sua posição política, ficou alcunhado de “líder”.

Portanto, todos já rezavam na mesma cartilha da falta moral. Bolsonaro só repaginou as páginas e ditou as lições mais sujas para que — diante de uma dissonância cognitiva coletiva — todos pudessem colocar em prática suas incoerências e suas mórbidas paixões. Dessa maneira, Bolsonaro acabou sendo o responsável pelas grandes cagadas, Brasil afora, fazendo gestos para que sua trupe o seguisse e também disseminasse sua falta moral, alimentada pela disposição de levar vantagem em detrimento da sociedade de bem.

Assim, o núcleo extremista do bolsonarismo mostrou, durante os quatro anos de desgoverno, a grande porcaria que nenhum outro governo do Brasil em tempos democráticos fez. Além de se locupletarem de tudo que a corte lhes favorecia, os canalhas tinham a insolente intenção de se perpetrarem no poder, sendo seus desejos realizados sempre de forma menos republicana possível. Pois bem, acostumados à tantas urdiduras, e de maneira frenesi, os bolsonaristas seguiam se apossando das coisas públicas e afrontando a constituição — traindo a pátria —, não temendo nenhuma punição, pois acreditavam fielmente que o mau governo iria prosperar.   

Diante de toda celeuma, mesmo com a derrota nas eleições e as investigações em curso, a despeito dos crimes praticados, essa corja ardilosa e doentia, arrebatada por um cancro maior, ainda tenta mostrar seu lado ultrajado e imoral, e arrepio da lei, trama narrativas que revelam o cinismo e o descaramento, bem como o descaso com as convenções morais estabelecidas pela sociedade brasileira.   

Os pulhas bolsonaristas, quando são questionados por qualquer delito praticado por eles, negam a realidade, provocando uma sabotagem mental que vai além do conflito entre o que eles pensam e o que eles fazem. Outra reação comum entre eles é o desplante de confirmar com escárnio os seus erros, quando dizem: fiz, qual é o problema? Tais pulhas não veem nenhum problema de agir de forma imoral, corrupta e violenta, para eles isso não faz diferença, pois acreditam que estão sendo vítimas de perseguição, seja da justiça, do sistema político ou da sociedade, isto é, o desprezo às virtudes humanas é tão grande que agem debochando daqueles que, em sociedade, pedem a lisura das investigações e a certeza das punições por todas as ilicitudes praticadas.

Em Ética a Nicômaco, Aristóteles diz que está na natureza das coisas a possibilidade de as virtudes morais serem destruídas pela carência ou pelo excesso, e pior ainda, ser tomada pelos extremos, cuja polaridade é harmonizada pela mediania. Sem essa justa medida qualquer virtude pode ser destruída pelos extremos. Sabendo então os humanos que a virtude moral é o equilíbrio entre o excesso e a apatia, e aí fica evidente a busca pela harmonia, à qual é dada pela razão entre as emoções extremas.

Sabendo que o corporativismo nada mais é do que a ausência da conduta moral, há também no Poder Judiciário e no Poder Legislativo representantes imorais que dão vigor ao extremismo. Assim, não se pode esperar que todos sejam punidos na forma da lei, pela simples possibilidade da complacência arbitrada por integrantes do judiciário ou do legislativo, onde, dada a situação, a causa pode ser interpretada dependente da condição moral de quem preside. Muitas vezes até barganham com sua própria missão constitucional. No Brasil, temos muitos exemplos no congresso nacional, nas cassas legislativas, nas câmaras municipais ou nas esferas da justiça.

O Poder Executivo também protagoniza suas barganham, como vimos de maneira escancarada durante o recente desgoverno da direita extrema, quando diferentes agentes públicos agiam de má-fé, manipulando e editando documentos para, em prejuízo do Estado brasileiro, beneficiar delitos que envolvem corrupção, organizações criminosas, vício de iniciativa e de inconstitucionalidade, crimes de lesa-pátria, desarranjos de políticas públicas e interferências em questões que não são da competência do executivo. Tudo isso, aliado aos ataques às instituições e às eleições, cujo objetivo era desconstituir a democracia. Pautas, no mínimo, não republicanas que merecem total repúdio da sociedade virtuosa.

Aqui é preciso ver que todas essas tramas foram pensadas e praticadas na ausência de qualquer viés comunista, digo isso pelo fato de estar no senso comum dos bolsonaristas, que o comunismo é sinônimo de barbáries e arbitrariedades. No entanto, para que mais arbitrariedades e barbáries consumadas pela ala extrema do bolsonarismo. O execrável cesarismo praticado por Bolsonaro e seus sectários mostram claramente que qualquer tática de “terra arrasada” ou tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito, não é uma disposição própria do comunismo, mas de qualquer ideologia política que adote o extremismo como causa. Isso pode ser atestado quando Bolsonaro e seus aliados, eleitos democraticamente pelo povo, logo se uniram para assolar o país e incitar uma tentativa de golpe — finalmente, vimos que não precisa ser comunista ou de esquerda para destruir uma nação.  

Em prejuízo de todos, a falta moral só é disseminada, em larga escala, no mundo onde não há patriotas, a exemplo do submundo bolsonarista; pois o patriota de verdade não quebra e nem rouba o patrimônio público. O patriota tem como regra o agir moralmente, sempre tencionando ficar numa posição salubre para si e para o país, sendo útil e agindo em favor da nação, ou seja, o patriota se coloca num ponto que nem excede e nem falta, um ponto determinado por um princípio racional próprio da pessoa dotada de sabedoria e prática moral. Por definição, essa prática é apresentada como mediania ou justa-medida, sendo a única maneira correta da pessoa consolidar boas intenções.

Como diz Peter Singer, são todos esses mecanismos que fazem com que qualquer pessoa se limite ao desempenho moral de suas ações, devendo considerar apenas os valores humanos mais profundos e responder sempre suas ações no âmbito da ética. Isso ressalta que a virtude moral, como uma qualidade do ser humano, é indispensável para que ele possa reconhecer e praticar sua vontade com parcimônia, em vez de praticar o extremo desejo por coisas que podem prejudicar a todos. Como conclusão, aqui é importante repetir a frase do humorista brasileiro Stanislaw Ponte Preta: “restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!”.

*Filósofo, escritor e consultor ambiental – um dos autores do livro “Poemas, Contos e Microcontos”. Obra coletiva publicada em 2022 pela Editora da UFRR.

** Os textos publicados nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião da FolhaBV