OPINIÃO

A nova realidade de uma aluna migrante

         Meu primeiro dia de aula não foi nada fácil, imagine só, rostos e um lugar desconhecido, uma língua estrangeira e você bem no meio de tudo isso. A ansiedade me acompanhou desde a saída de casa e somou a um nervosismo quase paralisante. Na sala de aula o cenário era completamente caótico, como se eu não existisse, os alunos conversavam como se estivessem numa competição de quem conseguia falar mais rápido. A professora explicava o conteúdo, os alunos tiravam as dúvidas e a aula seguia. Eu me sentia como se estivesse dentro de um filme sem legendas, num mundo alheio.

Uma guerra se travava dentro de mim em cada aula, me sentia como uma soldada lutando para sobreviver ao idioma e ao ambiente, porque eu precisava saber o que os professores falavam para entender o que eles explicavam, era um campo de guerra na minha mente e literalmente na minha língua, por vergonha de falar errado e ser criticada, silenciava.

A Agatha, uma menina da minha sala, se aproximou de mim, e começou a falar devagar e a gesticular com as mãos, tentando me ajudar e me incluir, mas mesmo com sua paciência as palavras continuavam a fugir do meu entendimento. Tudo o que eu conseguia fazer era balançar a cabeça e sorrir, fingindo entender alguma coisa.

Dias seguidos de confusão na minha mente. No intervalo andava pelos corredores como uma turista perdida, observando os grupos que conversavam animados e alegres, me sentia como um peixe fora da água. Nessas horas de frustração e desespero a saudade do meu país, das minhas amizades, da minha antiga realidade, da minha escola se intensificavam. Sentia falta das conversas fáceis, das risadas espontâneas, do meu idioma nativo, que me permitia expressar o que eu sentia. A barreira do idioma era intransponível, o que me impedia de me integrar, fazendo a solidão, minha mais nova amiga.

Mas com o tempo, Roraima e o português sorriram para mim. Tudo começou a melhorar quando conheci um grupo de colegas venezuelanos que por estarem mais tempo aqui já falam melhor o português e conseguiam ler e escrever. A sensação de não estar sozinha fez muita diferença. Aos poucos, com muita ajuda, comecei a entender o idioma. Cada pequena conquista era uma vitória comemorada silenciosamente na escola e aos gritos de alegria em casa.

A rotina escolar começou a se tornar mais familiar, e aqueles rostos desconhecidos se tornaram amigos, lembro até hoje da primeira vez que entendi uma piada e dei risada junto com a sala, ou a primeira vez que participei de uma conversa em português, ou ainda o dia em que pela primeira vez, me senti parte do grupo. A sensação de pertencimento foi um alívio imenso.

Hoje, quando olho para trás vejo que cada momento de estranheza, desconforto e frustração contribuiu para o meu crescimento e aprendizado, para entender que a saudade e a solidão podem ser companheiros temporários, mas que eventualmente cedem espaço para novas amizades, aprendizagens e novas formas de pertencimento ao lugar onde você está morando. Atualmente, o português não é mais um mistério indecifrável, ainda cometo erros tanto na fala quanto na escrita, é claro, mas aprendi a rir deles e seguir em frente. O medo de passar vergonha deu lugar a confiança e pouco a pouco encontrei meu lugar nesta minha nova realidade.

Aliss Marian T. Ferrás, aluna da 3ª série do Ensino Médio do Colégio Militarizado Professor Camilo Dias.

(Educação Linguística guiada pela Sequência didática do Caderno do Docente “A ocasião faz o escritor”, do gênero crônica da OLP, com a temática “O lugar onde vivo”.)