OPINIÃO

Acostumando-se a pedir em vão!

Rafael Parente Ferreira Dias

Professor de Filosofia da UERR

Diógenes de Sinope (c. 412 a.C. – 323 a.C.) foi, possivelmente, o filósofo mais irreverente da Antiguidade grega, sendo descrito tanto como um “homem de inigualável virtude” quanto como “um Sócrates ensandecido”. Independentemente dessas interpretações, é fundamental destacar que ele foi o principal representante da filosofia cínica (uma escola de pensamento grega surgida no século IV a. C.).

Certa vez, Diógenes foi visto pedindo esmolas a uma estátua, à primeira vista, tal postura pode parecer insana e totalmente despropositada. Questionado sobre o motivo, ele respondeu: “Estou me acostumando a pedir em vão.” Mas, afinal, o que Diógenes estava querendo transmitir? Por que pedir algo para uma estátua? A resposta é simples e objetiva: o irreverente filósofo cínico estava tentando nos ensinar a necessidade de habituar-se à frustração e libertar-se das expectativas da vida.

No contexto atual, essa lição torna-se ainda mais proeminente. O irrefletido consumismo do século XXI, em toda a sua pujança, desafia constantemente as nossas convicções morais e filosóficas. Roupas, carros, celulares — inúmeros apetrechos materiais que, embora úteis na vida moderna, acabam se tornando um poderoso amortecedor psicológico, na vã tentativa de preencher uma terrível lacuna existencial, um senso de inadequação que, de forma inocente, busca na matéria o que somente os dons refinados da virtude podem fornecer.

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O narcisismo contemporâneo tem desempenhado um papel pouco inspirador na formação de uma geração de jovens cada vez mais inseguros e preocupados com a sua própria autoimagem. Os padrões de perfeição fixados pelo sistema sufocam até mesmo os mínimos suspiros da vocação filosófica. A lógica do rebanho ganha contornos mordazes ao inundar as redes sociais com seus feeds cuidadosamente elegidos e postagens ardilosamente editadas, projetando uma realidade artificial, sedenta por validação externa. Por mais fantasiosa que seja, essa construção ilusória ainda consegue exercer uma influência negativa sobre milhares de pessoas. Este é o preocupante sentimento que brota velozmente em muitos usuários das redes sociais, conduzindo-os à uma vida inautêntica, irrefletida, superficial, reféns das quimeras digitais que, a todo custo, tentam expandir o seu próprio rebanho.

Além disso, vale destacar que, toda essa fantasia digital criada por essa geração, está desencadeando uma enorme dificuldade em lidar com fracassos, frustrações e adversidades. O sucesso, a alegria e o bem-estar são sempre as metas a serem atingidas! Independentemente do contexto — seja no trabalho, nas férias ou no próprio lar, o objetivo permanece inalterado: devemos sempre demonstrar felicidade, responsabilidade, beleza, segurança e todas as qualidades que possam impressionar os outros. Em outras palavras, poderíamos resumir a sensação sentida por essas pessoas por meio de um poderoso mantra: eu sou minha autoimagem; sem a validação alheia não posso ser feliz! De fato, ao projetar um ideal de vida tão perfeccionista, a cultura digital reforça essa mentalidade insana ao projetar um ideal de vida impecável, onde o fracasso não tem lugar.

A lição de Diógenes, ao pedir esmolas a uma estátua e afirmar que estava se acostumando a pedir em vão, ressoa profundamente nesse contexto. Ele compreendia que a vida é repleta de desafios inconclusivos, de expectativas frustradas e de respostas negativas. Ao buscar uma perfeição inatingível, o humano que há em nós grita, berra por socorro, pois não encontra chão. Ora, o erro, a dúvida e a tristeza são partes integrantes da própria vida; com a atitude filosófica correta, podemos aprender muito com os nossos desvios morais, negá-los significa rejeitar a nossa própria humanidade a qual está em constante transformação e aprendizado. Por isso, devemos cultivar a resiliência, reconhecendo que cada experiência, por mais desafiadora que seja, carrega consigo uma oportunidade de superação. Para assimilá-la plenamente, é essencial manter a consciência alerta e receptiva, disposta a ressignificar os acontecimentos e transformá-los em instrumentos de fortalecimento mental e emocional.

Desta forma, o caminho para a vida filosófica, segundo Diógenes, não deve ser subordinado aos ditames sociais, mas sim orientado por nossas escolhas conscientes, sem receio do julgamento alheio. O verdadeiro sentido da felicidade pode estar oculto nos eventos mais corriqueiros: no próprio pôr do sol, durante a leitura de algum livro, no sorriso compartilhado com os filhos ou até mesmo no silêncio interior, quando as distrações do mundo cessam e podemos acessar distintos quadrantes da nossa própria subjetividade. Ora, em um mundo sedento por mais, talvez a maior revolução filosófica seja aprender a viver com menos.

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