Sebastião Pereira do Nascimento*
A sociedade brasileira perpassa por algumas práticas abomináveis que depreciam a moral e dilaceram a prosperidade coletiva. Dentre elas, a corrupção — termo derivado do latim corruptus —, que, no senso comum está relacionado ao suborno ou ao efeito de se corromper ou de corromper alguém. Sendo, portanto, uma depravação de ordem moral, empregada de forma espontânea ou premeditada, com o único intuito de alguém querer se “dar bem” ou “levar vantagem” sobre o outro. Diante de outras concepções, um ato de corrupção sempre corresponde à ideia de degradação humana, onde há separação e decomposição dos elementos constitutivos de um corpo social.
Seguindo um pouco mais nessa linha, é pressuposto necessário para instalação de uma corrupção, além da ausência do interesse moral, a incapacidade do indivíduo de assumir compromissos voltados ao bem coletivo, onde o sujeito é incapaz de fazer coisas que não lhe tragam uma gratificação pessoal. Isso nos deixa livre para dizer que a corrupção vem do egoísmo e da ganância das pessoas em querer levar vantagem em tudo, não se importando se irá prejudicar o outro, pois o objetivo é unicamente querer servir a si mesmo.
A propósito disso, quandose pensa no ser humano “bom” ou “mau”, é preciso pensar na passagem do estado de natureza para a vida em sociedade, onde se observa a “domesticação” da natureza do indivíduo. Além disso, Thomas Hobbes, o próprio defensor desta premissa, defendia que o sujeito humano, ao nascer, já viria mau, diferente de Rousseau, que defendia a ideia de que o indivíduo nasce bom. Em oposição aos colegas, Thomas Bachmann dialoga que o indivíduo humano não nasce nem bom, nem mau. Todavia, apesar das divergências, há entre os três pensadores, a opinião de que o indivíduo, depois que nasce, é moldado segundo as convenções impostas pela sociedade ou pelo grupo social em que vive, os quais propiciam predisposições para as ações desse indivíduo que, a depender do contexto moral, pode tornar-se um sujeito bom ou mau, inclusive corrupto.
No que se refere ao Brasil, o antropólogo Sérgio Buarque de Hollanda avalia que essa predisposição para a corrupção é decorrente de uma herança histórica onde a sociedade brasileira teria desenvolvido uma propensão à informalidade. O que se deva isso ao fato de as instituições brasileiras terem sido concebidas de forma coercitiva e unilateral, não havendo diálogo entre governantes e governados.
Assim, a corrupção desde sempre tem sido tão consuetudinária entre a nossa sociedade que a sua prática se tornou regra e não exceção. É tanto que a maioria dos brasileiros encara isso com tamanha naturalidade, visto a corrupção já está fortemente arraigada na cultura do país. Assim, num círculo vicioso, desde cedo as crianças veem seus familiares e outras pessoas praticando subornos e tornam-se, de forma coercitiva, operadoras dessa indecorosa prática que revela para o mundo a essência de um Brasil corrupto.
Além disso, estudos de comportamento humano preconizam que nos diversos setores de nossa sociedade, as atitudes contínuas de corrupção denunciam um tipo de comportamento sociopata que, resumidamente, é um transtorno de personalidade antissocial, onde o indivíduo passa ter aversão às normas sociais, desprezo aos sentimentos alheios, egocentrismo, baixa tolerância a frustrações, dificuldade de aprender com as punições e a mania de levar vantagem deliberadamente.
Ademais, é garantido dizer que essas ações dissolvidas no cotidiano de uma sociedade deterioram cada vez mais seus valores morais, sabendo que sem a resistência moral, as pessoas entram em turbulência mental e deixam, consequentemente, de fazer as coisas certas, muitas vezes até de forma imperceptível. De maneira pragmática, isso revela um nítido negligenciamento da ética e da moral e manifesta nas pessoas dignas um profundo sentimento de deterioração social.
Ainda quanto aos fatores determinantes da corrupção no Brasil, podemos incluir também diversas predisposições, como: o incentivo conflitante, onde o sujeito coloca seus interesses pessoais no primeiro plano; o poder discricionário ou poder sem limites, onde a pessoa tem a liberdade de escolha segundo os critérios de conveniência; a falta de transparência, que propicia o indivíduo corrupto a se locupletar diante da trama sombria; a cultura de impunidade, que suscita a não punição e consente que o indivíduo corrupto cometa faltas continuadamente; os sistemas e procedimentos inoperantes do Estado, onde a demora para resolver algo permite que o indivíduo imoral busque soluções por meios escusos.
Além de todas essas situações, podemos citar ainda como exemplo o “jeitinho brasileiro”, o qual é a repulsiva malícia de encontrar uma solução para determinada situação, a qual se caracteriza como um ato típico de indivíduos de pouca inteligência e baixa capacidade moral. Não menos aviltante é a presunçosa frase: “sabe com quem está falando?” Outra repulsiva informalidade exercida geralmente por pessoas que se julgam dotadas de alguma influência que seja: social, política ou econômica. Isto acontece quando essa pessoa “maior” vê-se coagida por uma pessoa “menor” e imediatamente a ameaça, fazendo uso de sua julgada influência.
No universo das relações humanas, todas essas condutas criminosas ou inconvenientes são destituídas de virtudes morais e são praticadas por diferentes sujeitos, incapazes de controlar seus desejos mais avassaladores. Por consequente, isso leva a pessoa, seja ela da mais simples ou da mais robusta importância social, a explorar a fundo essa tendência maliciosa, capaz de lhe ofertar efêmeras satisfações em detrimento de outrem.
Voltando a falar do Brasil, embora a corrupção ocorra também nas relações sociais humanas, mas é nas esferas dos poderes do governo: Executivo (municipal, estadual e federal), Legislativo (câmaras municipais, assembleias estaduais e congresso nacional) e Judiciário que se encontra o epicentro da corrupção no país. Setores públicos que agregam catervas de vigaristas que, como parasitas sociais, agem nas sombras, corroendo impiedosamente o erário. E como rolos compressores, esmagam os sonhos do povo brasileiro e semeiam na sociedade a ilusão de que estão trazendo benefícios a todos.
Na direção dessa realidade, citamos aqui um relatório divulgado no último mês de janeiro pela entidade Transparência Internacional. De 180 países pesquisados, o Brasil registrou 36 pontos, onde a nota vai de zero a 100. Zero significa “altamente corrupto” e 100 significa “muito íntegro”. Quanto melhor a posição no ranking, menos o país é considerado corrupto. O Brasil está abaixo da média global, que está em 43 pontos. O Brasil ficou com a mesma pontuação da Argélia, da Sérvia e da Ucrânia. Entre os países das Américas, o Brasil ficou atrás, por exemplo, de Uruguai (76 pontos), Chile (66 pontos), Cuba (42 pontos) e Argentina (37 pontos).
O relatório cita o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro como “um retrocesso no combate a corrupção no país. Quando em quatro anos fez tudo para desmontar os marcos legais e institucionais anticorrupção que o país levou décadas para construir”. Conforme a Transparência Internacional, o combate à corrupção é construído sob o um sistema de controle de três pilares: judicial, político e social. Pilares esses que, segundo o relatório, “Bolsonaro se esforçou para atacar”. Se tratava de um governo dedicado intensamente à neutralização de cada um desses pilares, seja para blindar sua família de investigações de esquemas de corrupção fartamente comprovados, seja para evitar um processo de impeachment por seus incontáveis crimes de responsabilidade e ataques à democracia”.
Com relação ao governo de Lula da Silva, o relatório traz algumas críticas, por exemplo, quanto a flexibilização da Lei das Estatais e a barganha entre governo federal e Congresso, em referência a moeda de troca política: o loteamento das estatais. Nesse rumo, a Transparência Internacional cita o caso da Petrobras. O relatório também aponta alguns pontos positivos quando destaca as ações do governo atual em prol do combate a corrupção. Nesse quesito, a Controladoria-Geral da União (CGU) “vem restabelecendo a estrutura dos conselhos de políticas públicas”, além das medidas para “corrigir riscos de corrupção em políticas públicas, contratações e outras ações do Estado”. A CGU argumenta ainda que vem “fortalecendo a integridade dos órgãos federais e colaborando para a implementação de programas de integridade pública, fomentando a adoção de mecanismos de prevenção à corrupção por empresas e aprimorando mecanismos de detecção e sanção de corrupção”. Ademais, vem trabalhando nos sentido de reverter os sigilos abusivos de documentos determinados pelo governo passado e, mais importante, estabeleceu regras para prevenir novas violações da Lei de Acesso à Informação.
Em virtude do exposto, temos por conclusão que todo esse conjunto de medidas que vem sendo implantado pelo governo atual no combate a corrupção ainda é muito pouco, chegando ser até mesmo irrelevante para que o Brasil possa abolir a corrupção encravada no âmago da sociedade. Por tanto, para ficarmos isento de corruptos é preciso muito mais. É preciso resolver a questão da legitimidade de poder — governo e sociedade —, fundamentado na construção de um pacto social, onde o indivíduo humano se abdique de suas vantagens ilícitas e passe, ele próprio, ser parte ativa (e íntegra) de todo social. Ao obedecer ao pacto, ele obedece a si mesmo e, portanto, é livre e ético. E por ser ético acaba sendo um ser moral.
*Filósofo, escritor e consultor ambiental. Autor dos livros “Sonhador do Absoluto” e “Recado aos Humanos” (Editora CRV). Coautor do livro “Pandemia: Poemas, Contos e Microcontos” (Editora da UFRR).