Francisco Xavier Medeiros de Castro*
Estamos assistindo ao surgimento de dinâmicas criminais até então inéditas no Estado de Roraima.
O poder estatal ainda não demonstrou sua eficácia quanto à completa desintrusão de garimpeiros e representantes do crime organizado das terras indígenas Yanomami. O garimpo ilegal, sobretudo aquele explorado pelas organizações criminosas, continua pujante naquele vasto território, mesmo após o início de operações protagonizados por órgãos federais de defesa e de segurança.
Em função da continuidade do garimpo ilegal e do narcogarimpo, o crime organizado passou a empregar dinâmicas outrora desconhecidas para a população roraimense.
A primeira dinâmica criminal consiste em atribuir ao estado a responsabilidade pelas mortes decorrentes de supostos confrontos, mesmo sem a certeza de que as forças armadas ou as forças policiais tenham tido parte nesses eventos. Tal como ocorre há muito tempo nas comunidades fluminenses dominadas pelo tráfico, essa dinâmica vem ocorrendo na região onde ainda se explora o garimpo ilegal em Roraima: os homicídios decorrentes de confrontos originados por razões verdadeiramente desconhecidas, em um território inóspito e de dificílimo acesso e monitoramento, são imediatamente colocados na conta do estado. É o exemplo da informação veiculada pela imprensa local, no dia 25 de setembro do corrente ano, dando conta da morte de dois indivíduos no rio Uraricoera (principal via fluvial de acesso ao garimpo ilegal situado nas terras indígenas Yanomami) em que os familiares das vítimas acusam militares do Exército Brasileiro pelas mortes. Na esteira dessa dinâmica, desponta a típica mobilização social semelhante a que se vê nos morros cariocas após a morte de membros da comunidade em tiroteios: protestos e manifestações com intuito midiático e fortemente apoiados por setores progressistas da sociedade.
Outra nova dinâmica criminal diz respeito à ação dos “piratas de rios” dentro do Estado de Roraima. No último 22 de setembro, um indivíduo foi assassinado a tiros após assalto cometido por um grupo de criminosos fortemente armados e embarcados em uma lancha rápida, em ação ocorrida na confluência do rio Branco com o rio Negro. Os grupos criminosos que exploram essa prática têm por modus operandis o extremo nível de violência e brutalidade contra suas vítimas. Antes desse fato, a atuação dos piratas na região norte se limitava aos estados do Pará, Amapá e Amazonas, que se utilizam em grande escala das vias fluviais para o transporte de passageiro, de carga e de valores em seus municípios mais longínquos.
O desafio do garimpo ilegal e do narcogarimpo em terras indígenas Yanomami, caracterizada por ser um território black spot (porção territorial onde não há a presença do Estado, permitindo o empoderamento de um estado paralelo com condições para definir o regramento social daquele local) requer um conjunto de estratégias maduras para o enfrentamento às organizações criminosas e demandam, além de uma robusta condição logística e de alta interlocução entre diferentes atores e organizações, uma forte retaguarda jurídica para os comandantes e operadores das forças-tarefas com atuação naquele território hostil.
Quanto à ação dos piratas de rios nesse novo cenário que é o Estado de Roraima, espera-se que o poder público, nos níveis estadual e federal, seja proativo e verdadeiramente integrativo na viabilização da correta vigilância e patrulhamento fluviais, sobretudo em pontos estratégicos como a já citada confluência do rio Negro e do rio Branco. A esse respeito, as duas últimas apreensões de droga em rios dentro do Estado de Roraima ocorridas em 2023 (e que totalizaram quase duas toneladas de droga apreendida) confirmaram a utilização cada vez maior do meio fluvial para o escoamento da droga e de armas, o que justifica priorizar planejamento e recursos para a implantação de uma estrutura fluvial de fiscalização permanente (a exemplo da Base Arpão, que cumpre esse papel no rio Solimões, no Estado do Amazonas, e é constituída por operadores das forças policiais estaduais e federais).
*Coronel da Polícia Militar de Roraima.
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