Autor Lúcio Every da Silva Ferreira Neto
Em 2016, o governo do estado de Roraima decretou a intervenção experimental do modelo civil militarizado em duas escolas estaduais da capital com o objetivo de reparar a desordem e a criminalidade, buscando reestabelecer a disciplina e a hierarquia nesses ambientes. Caro leitor aqui está presente os detalhes indispensáveis da avaliação do modelo instalado e sua permanência.
O modelo de militarização é um projeto amplamente discutido em vários estados do Brasil, ganhando destaque por grupos políticos conservadores, enfatizando a ordem e a hierarquia no ambiente escolar, destacando a necessidade das forças de segurança pública no tocante aos desafios vivenciados pelas escolas. A “cortina de fumaça” da indisciplina, violência e o crime organizado estão presentes nos discursos do governo, cujo os elementos foram utilizados para sustentar a implementação. Vale lembrar que, no mesmo período, estava em discussão o projeto de lei “escola sem partido”, que denuncia a “doutrinação de alunos” da rede pública por professores. Segundo os defensores de uma “educação neutra” prevista no projeto, seria proibida a transmissão da visão de mundo pelos professores. Além disso, a militarização das escolas acompanhou a discussão do novo ensino médio, que consiste na personalização dos componentes da grade curricular, efetivando uma educação que não dialoga com a realidade brasileira. É possível afirmar que a implementação da militarização em Roraima faz parte de um projeto político nacional de educação, mesmo sem observar as diretrizes de base da educação nacional, modelado pela direita política brasileira iniciado no Estado de Goiás.
Dois anos após a implementação em 2016 em Boa Vista-RR, diversos benefícios foram considerados favoráveis para o governo, levantando a possibilidade de expansão do modelo. Nesse contexto, destaca-se o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que demonstrou rendimentos satisfatórios nos dois primeiros anos nessas escolas recém-militarizadas em comparação ao quadro anterior, sendo este o principal argumento para apoiar a expansão da militarização das escolas no Estado. No entanto, é importante ressaltar que a administração militarizada não resolve os desafios da educação de forma pedagógica, negligenciando a aprendizagem como fator central e prioritário da educação. Devido ao baixo rendimento escolar de uma parcela de alunos no início da implementação do modelo, e “a falta de adaptação” mencionado pela gestão, estes foram desligados e transferidos para escolas não militarizadas, com a proibição da rematrícula dos mesmo em colégios militarizados, levantando questões sobre a resolução desses desafios no ambiente educacional. Além disso, as escolas que receberam alunos dos colégios militarizados, com baixo rendimento educacional ou comportamentos incompatíveis, tiveram que responder a esses desafios. No que se refere o impedimento dos pais e metres na renovação da matrícula praticado pelos colégios estaduais militarizados, levanta o questionamento sobre a base legal para tal impedimento se tratando do acesso ao ensino público. Estas condições levantam preocupações sobre o modelo conservador civil militarizado, configurado para o controle e a exclusão, levantando questões sobre as reais condições e impactos desse modelo.
Como resultado, foi possibilitada a criação de um processo seletivo para esses colégios recentemente militarizados, juntamente com cotas para filhos de agentes civis militares, promovendo o efeito do “alto desenvolvimento”. A rigidez foi mantida, assim como a obrigatoriedade do fardamento oficial, custeado integralmente pelos pais e mestres, com um valor aproximado de R$ 700,00. Esse custo para o uniforme exigido é incompatível com a realidade socioeconômica, sobretudo, revela inconsistência dos dados do Ministério da Educação na transferência dos custos para os pais e mestres desses colégios civis militarizados. Dessa forma, além do IDEB, o modelo civil militarizado está em oposição ao princípio da qualidade, permanência e gratuidade na educação, enquanto o aparelhamento civil militar continua como estratégia ideológica e de controle permanente na educação em Roraima.
Diante disso, o governo tomou a iniciativa de decretar em 2018 a expansão do modelo civil militarizado para outras escolas da capital e do interior, concedendo apoio administrativo para a secretaria de segurança pública em conjunto com a secretaria de educação. Em 2024, o estado de Roraima totalizou 33 colégios estaduais contemplados pelo modelo, 20 na capital e 13 no interior, com a promessa de ampliar ainda mais essa rede. Segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse número representa aproximadamente 63% dos estabelecimentos de ensino com ensino médio existentes em Roraima, liderando o ranking de colégios estaduais militarizados no Brasil, à frente do Estado de Goiás, que foi pioneiro na expansão militarizada, o estado com “ensino modelo” dialoga com a massificação dos valores no pleito eleitoral, “ventilado” pelos partidos a direita conservadora. Este modelo se tornou uma marca do atual governo no combate à criminalidade, indisciplina e contenção das paralizações de professores da rede pública de educação.
O deputado estadual Coronel Chagas (PRTB) é o autor da lei estadual que criou o Colégio da Polícia Militar em 2012 e foi o relator do projeto que implementou o ensino militarizado nas escolas públicas em 2016, sendo o mais beneficiado e associando a militarização à sua imagem publicitária, o que constitui um flagrante abuso de poder (art. 14, §9º, da Constituição da República/1988).
Nesse contexto, os colégios estaduais militarizados recebem atenção em termos de infraestrutura, com reformas que incluem pinturas, climatização e reparos. No entanto, essa atenção deixa desassistidas as demais estruturas das escolas estaduais não militarizadas, tanto na capital quanto no interior. Surgem questionamentos sobre os critérios de seleção das escolas estaduais para a implementação do modelo civil militarizado após a intervenção “emergencial”. Além disso, há dúvidas se a localização das escolas militarizadas está estrategicamente relacionada com o período eleitoral para cargos de governo e deputado estadual. Também é levantada a questão sobre os critérios prioritários na seleção das escolas para reformas, especialmente em comparação com escolas em condições mais precárias que permanecem nas mesmas condições, incluindo aquelas localizadas no interior do estado, onde alunos e funcionários enfrentam transtornos estruturais.
No tocante a educação moral e cívica defendida pelo modelo, demonstra manipular o trabalho já realizado nas escolas públicas. Portanto, essa pasta de ensino, agora repassada para os militares, busca descredibilizar o trabalho realizado através do decreto de militarização. O rigor excludente como prática “disciplinar”, caracterizada pela evasão escolar e transferência são instrumentos não utilizados pela administração convencional pedagógica, logo defender o desempenho escolar, deve-se então observar de forma singular a qualidade praticada em cada ambiente educacional, considerando suas necessidades e desafios. Contudo, reforça-se não haver impedimento para assegurar o direito a segurança pública.
Além disso, é importante destacar que o governo assegura a atuação questionável de agentes civis militares nas escolas, sem o devido treinamento, não previsto na formação da academia civil militar, evidenciando a ausência de capacitação pedagógica, distorcendo o direito a segurança previsto pelo ECA. As ações desse segmento não estão alinhadas com a lei de diretrizes de base da educação nacional (LDB) – Lei Nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Segundo o decreto, os agentes atuam no âmbito pedagógico visando o funcionamento das atividades educacionais, sendo responsáveis pela aplicação do regimento interno do comportamento discente, pela imposição de rigidez disciplinar por meio de sanções e hierarquia, além de promover o culto à pátria e a filosofia civil militar.
É importante destacar que os colégios estaduais civis militarizados apresentam a característica da duplicidade administrativa, onde há servidores tanto da secretaria de educação quanto da secretaria de segurança pública. Diante do contexto de combate à criminalidade e à desordem, a duplicidade de salários e gratificações dos oficiais alocados na rede pública de ensino é questionável. Esse aspecto tem um impacto direto no orçamento da educação, onde o investimento maior do governo parece estar direcionado para a secretaria de segurança pública, com foco na modernização do aparato militar em Roraima.
Além disso, o curioso remanejamento e seleção de policiais da ativa para escolas estaduais, juntamente com a investidura de cargos e salários de oficiais da reserva para a gestão do espaço educacional, levanta a questão da duplicidade de salários, que é um elemento crucial para esta discussão. Esse remanejamento e seleção suscita uma reflexão sobre o programa de “polícia na rua”, onde a atenção do patrulhamento ostensivo parece ter mudado o foco, agora voltado para as escolas. O índice inconsistente de criminalidade relacionado ao tráfico de drogas e ocorrências envolvendo menores de idade na educação durante a implementação do modelo, não parece haver justificação plausível para o aparelhamento do modelo rígido de disciplina e hierarquia, tampouco para a duplicidade administrativa, que tem impactado os recursos públicos destinados à instalação e manutenção do modelo militarizado na rede pública de ensino.
Portanto, diante do interesse e da necessidade apontados pelo governo na manutenção do modelo civil militarizado, é importante questionar a relevância do fornecimento do fardamento escolar como parte do orçamento estadual destinado à militarização.
Vamos abordar a hierarquização do corpo docente como instrumento de vigilância e punição, no qual os responsáveis pela instalação e manutenção do modelo decidem estabelecer, por meio do regimento interno disciplinar, uma hierarquia entre alunos, seguindo diretrizes baseadas na meritocracia, observando o comportamento exemplar, a necessidade e o desempenho escolar. Isso resulta em uma cerimônia de contemplação do alamar e promoção hierárquica, designando a função de xerife de classe, que assume a responsabilidade de manter a ordem na classe, incluindo apresentação e relatórios, exigindo que a classe se submeta ao xerife de classe, promovendo respeito e disciplina. No entanto, a efetivação de uma autoridade de classe dentro do mesmo grupo, ou seja, a hierarquia entre alunos, contribui para a manutenção da ordem e do poder. Nesse ambiente educacional, observa-se uma interpretação “artística” do imaginário popular de um exército, centralizando a transformação nesse emblema militarizado, em poder, marchas e hinos, deixando em segundo plano os objetivos da educação básica, relacionados à pluralidade, liberdade, igualdade, gratuidade, democracia e qualidade.
O governo denominou como “consulta popular” uma reunião com pais e mestres para comunicar a militarização, enfatizando o cumprimento dos direitos e deveres no âmbito educacional, mas reforçando o combate ao narcotráfico e à desordem. No entanto, ao analisar o contexto do narcotráfico em Roraima, torna-se evidente que ele não sustenta o discurso e tampouco justifica a para-militarização da educação no estado, cujo a estratégia é de fragilizar a administração pela Secretaria de Educação de Roraima. O programa PROERD, ativo desde 2008, oferece educação preventiva de conscientização e combate às drogas nas escolas públicas. Apesar disso, o governo justifica a militarização como ações preventivas e corretivas, apostando no apoio administrativo e ostensivo dentro das escolas públicas pela polícia militar e corpo de bombeiros do Estado, mantendo um modelo de controle e retrocesso, que é dispendioso e ineficaz.
Considerando a realidade socioeconômica da população que acessa o ensino público no Estado de Roraima e os objetivos do projeto de militarização, é evidente a desconsideração da questão da desigualdade social e seus desafios de superação. Reduzir a instituição educacional sob a priorização da doutrina e hierarquização exclui da discussão a formação crítica dos alunos, a capacitação psicopedagógica de profissionais e a consideração da realidade desses alunos, cujo objetivo é propiciar a cultura do raciocínio, da reflexão crítica, aprendizagem, da manifestação cultural e democrática em todos os ambientes da instituição de ensino, inclusive a sala de aula. No contexto da ordem e disciplina rígida, mantém-se o foco no silenciamento dessas expressões e troca de saberes, que são parte do desenvolvimento cógnito e social, resumindo agora na redução do projeto político pedagógico em detrimento de instruções normativas e ensaios militares. Dessa maneira, levanta-se a reflexão sobre a forma como estarão investindo no futuro, conservando a lógica da imposição e da exclusão, resistindo a educação da autonomia.
Em resumo, ao considerar os fatores relacionados à instalação, permanência e expansão da ‘militarização, o poder público local se beneficia do “medo generalizado”, enfatizando o crime organizado, a violência e o narcotráfico no ambiente escolar, enfatizando a massificação dos valores conservadores, o que respalda incoerentemente o aparelhamento. No entanto, de maneira geral, a configuração ideológica, caracterizada pelo controle e rigor disciplinar, emerge devido à suposta “inadequação” dos métodos e técnicas das instituições pedagógicas, consideradas insuficientes pelo governo. Isso fragiliza o verdadeiro propósito da educação básica ao militarizar as escolas públicas, atribuindo ao modelo a ideia de ser a “solução” para os desafios da aprendizagem, enfatizando o IDEB como a única razão para a expansão, sem revelar as verdadeiras anomalias que servem à censura, à precarização e à criminalização da educação brasileira. Em contrapartida, escolas públicas junto as suas atribuições expressadas na LDB e sem o devido aparelhamento se tornaram alvo de negligencia no contexto da educação e segurança dessas escolas. Devido a isso, podemos denominar esse modelo civil militarizado como “o cavalo de Tróia”, uma referência cinematográfica utilizada para descrever o conjunto de elementos que evidenciam apenas os enfeites da militarização, carregando uma política de governo cujo a essência é fascista, discriminatória, dispendiosa e excludente, disfarçada como objeto de contemplação e exemplo, buscando conferir ao Estado de Roraima o título de “epicentro da militarização” da educação brasileira.