Francisco Xavier Medeiros de Castro*
As mesmas fontes que justificam a atual queda dos homicídios no Brasil pela “profissionalização do crime”, onde os criminosos supostamente passariam a assumir um papel de mediadores de conflito, e pela “oscilação de assassinatos” em razão da escolha de uma “dinâmica mais pacífica do crime organizado”, se contradizem ao reconhecer que essa redução, pelo menos nas regiões norte e nordeste, ocorre em razão dos “investimentos do poder público e da necessária atenção e priorização do desenho de políticas públicas que articulem prevenção e repressão qualificada”.
Essa contradição consta no levantamento divulgado nessa semana (17 de agosto de 2023) pelo monitor da violência (instituto que mantém parceria com o G1, o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Nesse mesmo informativo, Roraima é apontado como o Estado que apresentou a maior queda na taxa de homicídios (22,5%).
O reconhecimento da evidente relação entre a redução da taxa de homicídios e o pacote composto pela execução de políticas públicas de segurança, investimento nos órgãos de segurança e fortalecimento da repressão qualificada parece ser recebido de forma indigesta por setores da militância ideológica que sempre atribuíram às ações policiais (ou à omissão da polícia) a causa de todos os males da segurança pública, sobretudo por conta das mortes produzidas pela ação de legítima defesa dos policiais (deixando de considerar que a opção do enfrentamento que ocasiona o óbito dos infratores, via de regra, é escolha desses, e não da polícia).
Nunca o poder repressivo estatal se mostrou tão eficaz e importante como agora, através de suas forças policiais, alinhando o planejamento e execução de operações conjuntas, cujo impacto se traduz em imediato prejuízo para as organizações criminosas. Não custa lembrar que Roraima já ocupou o ranking de Estado com a maior taxa de mortes violentas do país em 2017, com 59,8 homicídios por 100 mil habitantes.
No entanto, é importante que sejam ressaltados os verdadeiros fatores da redução dos homicídios em Roraima, a fim de que não prospere a justificativa falaciosa de que essa redução nada tem a ver com os esforços do aparato policial.
Ao mencionar as políticas públicas de segurança como fator de sucesso na redução dos homicídios na região norte (e em Roraima, no caso em análise), o Monitor da Violência está se referindo a uma dinâmica operativa desencadeada de forma estratégica nos últimos três anos pelas forças policiais. Nesse caso, essas políticas públicas se constituem em esforços coletivos encampados pelas organizações policiais em nível federal e estadual que instituíram arranjos interorganizacionais no formato de forças-tarefa, fundamentando um eficiente trabalho de polícia judiciária (investigação e cumprimento de mandandos de prisão e de busca e apreensão a alvos estratégicos) e de polícia de preservação da ordem pública (ações ostensivas em pontos de fiscalização estratégicos na fronteira). É o caso da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO), coordenada pela Superintendência de Polícia Federal de Roraima, integrada conjuntamente pela Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar, Polícia Civil e Polícia Penal, e que desde 2019 direciona o foco preventivo e repressivo das operações policiais contra os operadores do crime organizado na fronteira Brasil-Venezuela. A FICCO vem, desde então, colecionando diversas prisões de criminosos diretamente ligados ao crime organizado, além de apreensões vultosas de drogas e armas, a exemplo da última apreensão ocorrida no dia 18 de agosto, onde foram apreendidos meia tonelada de cocaína e skunk, dois fuzis AK-47, duas espingardas, um rifle e uma pistola de nove mílímetros, além de grande quantidade de munição, no município de Rorainópolis.
Outro exitoso exemplo de arranjo interorganizacional na segurança, também fundamentado em uma política pública de segurança vertical (que envolve diferentes níveis de governo), foi a adesão do Estado de Roraima ao Programa “Guardiões da Fronteira” (antigo “Programa VIGIA”) do Governo Federal. Em 2021, a Polícia Militar e a Polícia Civil passaram a executar a Operação Hórus (frente operacional do referido programa federal) protagonizando operações nas fronteiras com a Venezuela e a Guiana, e também na divisa com o Estado do Amazonas, no posto fiscal do Jundiá, culmilnando com diversas prisões e apreensões que consistiram em significativas baixas para as organizações criminosas. Ambas as experiências (FICCO e Operação Hórus), permanecem ativas no Estado de Roraima, e por ser inequívoco que a repressão qualificada ao crime organizado na fronteira se traduz em uma nítida manutenção da paz nas cidades, enfraquecendo as organizações criminosas e inviabilizando a violenta disputa por territórios do crime, vislumbra-se nessas duas forças de atuação integrada, as causas basilares da redução dos homicídios no Estado.
Quanto aos investimentos realizados pelo poder público no reaparelhamento da segurança pública estadual (oriundos, sobretudo, do repasse de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública para o Fundo Estadual de Segurança Pública) e quanto ao aumento do efetivo policial, a opinião pública não pode deixar de considerar a contribuição desses fatores para a aludida redução. Somente nos anos de 2021 e 2022, a Polícia Militar de Roraima registrou o maior ingresso de policiais em suas fileiras: mais de oitocentos novos policiais, o que implicou no aumento de mais de cem por cento da cobertura do policiamento ostensivo na capital e no interior. Da mesma forma, a aquisição de novas viaturas e a política institucional de valorização do policial, através da formação profissional e da capacitação continuada, com a edição de calendários anuais de cursos, dotaram os policiais militares de meios, técnicas e novas habilidades para um enfrentamento qualitativo à criminalidade em suas variadas formas de atuação.
Fatores técnicos implementados no âmbito do policiamento ostensivo, como o estabelecimento dos Procedimentos Operacionais Padrão, que passou a balisar a rotina policial militar com parâmetros e referenciais de qualidade e eficácia, além da implementação do Termo Circunstanciado de Ocorrência pela Polícia Militar, que proporciona uma “desescalada” no cometimento de crimes mais graves, ao promover a repressão imediata a pequenos delitos, também precisam ser considerados entre as causas positivas que contribuíram para diminuição do homicídio e outros crimes violentos em Roraima.
É lamentável observar que, por visíveis motivações ideológicas, alguns institutos de pesquisa, que deveriam ter por atribuição apontar as verdadeiras causas da redução da criminalidade violenta no país e suas regiões, contribuam para a desinformação ao atribuir a causa da redução dos homicídios a uma virada de chave encabeçada pelo próprio crime organizado, perdendo a oportunidade de reconhecer o valoroso trabalho de homens e mulheres da segurança pública que, em operações integradas ou no cumprimento diário do sacerdócio policial, representam a força motriz da verdadeira causa da preservação da ordem e da manutenção da paz em nossa sociedade.
*É coronel da ativa da Polícia Militar de Roraima. Especialista em Gestão Estratégica de Segurança Pública. Mestre em Ciências Policiais da Segurança e da Ordem Pública.
** Os textos publicados nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião da FolhaBV