OPINIÃO

Coisas de outubro

Prefeitura de Boa Vista ainda não publicou calendário para o próximo ano (Foto: Rodrigo Sales)
Prefeitura de Boa Vista ainda não publicou calendário para o próximo ano (Foto: Rodrigo Sales)

Walber Aguiar*

Ser normal é meta dos fracassados   ( Jung) 

Era o mês de outubro. Calor e chuva. Gente correndo pelas ruas, na expectativa de que
alguma coisa diferente acontecesse. Uns queriam um novo governo, outros buscavam muito
dinheiro; alguns, ainda, seguiam no encalço de um novo e borbulhante amor. Uma paixão que
enchesse a alma, que tonificasse o velho coração cansado e partido. Esperavam algo inusitado.
Ou não.
Era o décimo mês do ano. Tempo de relembrar as estripulias de menino, de ressuscitar Renato
Russo, de enternurar a alma com as flores do campo, o frio dos igarapés, o encanto gratuito
das paisagens. Precisamente, era o dia 20  de outubro. Dia de celebrar a palavra poética, os
poemas que rolavam pelo chão junto com as folhas de outono. Poesia do velho Drummond, do
articulado Ferreira Gullar, do apaixonado Vinicius de Moraes, do hermético João Cabral de
Melo Neto, do bucólico Mário Quintana, do simples Manoel de Barros, do universal Thiago de
Mello.

A poesia, em si, não conseguia renovar a alma resignada.  Precisava da motivação existencial,
do desejo de viver coisas novas, da compulsão por novos caminhos, cachoeiras, montes,
trilhas, acontecimentos. Embora o cotidiano se mostrasse sem aventura  e a poesia cuidasse
em emprestar à vida um maior significado, muitos pareciam aceitar o conformismo, a
normalidade, a mesmice como coisas absolutamente normais. Já não buscavam o inusitado, já
não se deixavam fascinar pelo belo, fossilizadas que estavam diante da rotina  e da cantilena
de viver os dias e as noites, as noites e os dias,  numa sucessão temporal apenas.
Naqueles dias absolutamente iguais, a política virou politicalha, o ético tornou-se conduta de
otários, o riso mergulhou no cinismo, o respeito virou coisa de velhos e o amor acovardou-se
pelo medo. Morrer e, principalmente matar no trânsito virou banalidade. Ainda mais quando
se tinha dinheiro para comprar a lei e algum advogado de porta de cadeia. A grande multidão
marchava abatida na direção do velho matadouro existencial, do pântano enganoso das bocas,
de uma espécie de niilismo que não levava a nada nem a lugar nenhum.
Era preciso viver a força da palavra e do compromisso que as mesmas desencadeiam na
realidade. Era ocupar-se de viver ou ocupar-se de morrer. Era não ter medo do fracasso, à
semelhança dos leprosos que entraram no arraial dos sírios. Se fossem morreriam tentando, se
ficassem morreriam de fome e de tédio. Era o mês de outubro. Tempo de amar, de respirar um
outro perfume, lutar por um novo governo, percorrer novas trilhas na direção do infinito…

*Advogado, poeta, professor de filosofia, historiador e membro da Academia Roraimense de Letras. [email protected]