OPINIÃO

Crônica do pai amigo –

Walber Aguiar*

Meu pai sentia o que eu sinto agora, depois que cresci…

Um dia tive um pai. Aliás, tenho até hoje. E amanhã de manhã ele acordará comigo, me chamará de colega e iremos juntos à feira. Na banca de dona Adalgisa comeremos uma panelada com mocotó, compraremos um frango assado no Big Star.

Depois do almoço ele sentará na cadeira de balanço e contará as velhas histórias repetidas com o entusiasmo de sempre. No melhor da conversa ele fechará os olhos e se entregará aos cochilos da tarde morna e ventilada. Aí passarei a mão em seus cabelos e sairei de fininho pra não acordá-lo.

Papai Genésio vai viver sempre aqui dentro. Vai viver naqueles passos lentos que plantavam milho e feijão verde no quintal, que me levava ao circo na “cacunda”, que andava pela Coronel Mota segurando a sagrada caixa do trombone. Também na lembrança da tabuada de multiplicar perguntada a mim e a Cleres, nas lapadas de cinturão, nos bolos de palmatória, nas caminhadas ao Bradesco, na amizade com Carlinhos Freire, nas conversas com o tio Arigó, Zé Chico, seu Valdecir, dona Iolanda, seu Chico Cunha, Lauriston e com quem quer que encontrasse no caminho da Feira de São Francisco.

Enfim, eu tenho um pai, e sinto sua ausência-presença nos dias mais festivos, nas noites mais tristes, nas tardes mais tediosas. Um pai que olhava a criança Creyse no bercinho, que repartia a farofa de ovo comigo de manhã, à mesa. Carrego comigo a lembrança da banda “Furiosa”, pois ali aprendi que avida podia ser tocada, festejada, celebrada.

Aprendi com ele a ser bom e a ser simples, embora a realidade nos empurre na direção de uma “felicidade” consumista, isolada e extremamente individual. Eu tenho um pai que sentiu a minha dor quando me perdi nos “labirintos” confusos e herméticos de Manaus. Um pai que me abraçou durante meia hora, tamanha era a saudade, a carência e o medo que enxergava em meu olhar.

Um pai que me ensinou a orar, a rezar o Credo e a amar de modo intenso as mulheres, sem reservas e sem falso moralismo. Ensinou-me que a feira era o lugar do diálogo, que o lar era a geografia do aconchego e do encontro com os outros e consigo mesmo. Jairo, filho do seu Figueiredo, o chamava de maestro. Sim, pois ele aprendeu com o tempo a reger a grande orquestra da vida. Professor que era, ensinou que o simples é um caminho por onde passam os pés da felicidade, que o respeito e a dignidade são inegociáveis. Que seu Genésio pescador, pai de Elieser e Eliakin, ensinou-nos a pescar matrinxãs, amigos e  felicidade.

Eu tenho um pai que me fez ressuscitar dos vales mais profundos da depressão e de uma espiritualidade adoecida. Que caminhou comigo a segunda milha, que tocou profundamente a minha alma e me ensinou que a vida pode recomeçar sempre. Depois de tudo o que com ele vivi, com amigos e irmãos, mãe e outros, descobri que não tive apenas um pai, tive o maior amigo que a vida me deu.

Um dia tive um pai. E ele continuará comigo para sempre…

*Poeta, professor de filosofia, historiador, Mestre em Letras e membro da Academia Roraimense de Letras [email protected]