OPINIÃO

Do Hamas ao terrorismo doméstico brasileiro: uma analogia necessária

Francisco Xavier Medeiros de Castro*

Qual analogia podemos fazer entre o trágico ataque realizado pelo grupo terrorista Hamas à Israel no último sábado (7 de outubro de 2023) e a criminalidade violenta do Brasil contemporâneo?

Desde a criação do Estado de Israel, em 1948, os israelenses se destacam pelo rápido desenvolvimento tático e tecnológico relacionados à segurança e defesa de seu território. Suas forças armadas, bem como suas forças de segurança, ao longo das últimas décadas, têm exportado inovações em técnicas e tecnologias para diversos países. A inteligência militar israelense, desde então, sempre foi uma referência em termos de estratégias defensivas anti-beligerantes, sobretudo por sua capacidade de prever e se antecipar às tentativas de ataques protagonizadas pelo Hamas e por outros grupos antagônicos, minimizando-os ou os tornando sem sucesso.

No decorrer desses primeiros dias após o ataque que pegou o mundo inteiro de surpresa, tem-se descortinado a articulação macabra que culminou na mortífera investida contra Israel, confirmando-se, até então, a participação de pelo menos mais dois países em apoio aos terroristas do Hamas: o Líbano (através do grupo terrorista Hezbollah) e o Irã (responsável por grande parte da logística bélica utilizada contra as centenas de militares e famílias israelenses).

Sem ainda ser possível analisar quais as falhas no âmbito da segurança e da inteligência israelense que possibilitaram a recente tragédia, o episódio possibilita que tracemos analogias que se mostram pertinentes com a criminalidade violenta do Brasil contemporâneo.

A mesma diligência, paciência e planejamento empregados pelo Hamas ao se lançar nessa empreitada terrorista caracterizam o método seguido por criminosos brasileiros, sobretudo nas modalidades criminosas análogas ao terrorismo conhecidas como “Domínio de Cidades” e “Novo Cangaço”. Essas variantes criminais vêm ganhando destaque no cenário criminal brasileiro, e adquirindo contornos de um terrorismo doméstico preocupante, conforme já mencionado em ensaio anterior .

Outras similaridades entre o terrorismo e as modalidades criminais ora comentadas também merecem destaque:

1- Característica de guerra assimétrica: emprego de uma capacidade combativa diferenciada e inesperada pelos criminosos/terroristas, que sobrepujam a capacidade convencional do estado, ou que representam novos métodos de ataque e defesa, geralmente caracterizada pelo emprego indiscriminado de violência contra qualquer pessoa ou instituição. Por exemplo: utilização de reféns como escudos humanos, explosão de torres de energia, prévia incapacitação das forças de segurança locais, execução sumária de oponentes, etc;

2- Utilização de uma eficaz rede logística e de financiamento, favorecendo a compra de material bélico, explosivos, aluguel de veículos e imóveis, além da contratação de pessoal especializado para ações específicas;

3- Capacidade de subjugar o Estado, não se percebendo nenhuma demonstração de temor por parte dos criminosos/terroristas em relação às forças de segurança bem como ao aparato jurídico constituído;

4- Utilização de um rebuscado sistema de inteligência e informações que permite a infiltração de seus membros no território escolhido e a identificação de janelas de oportunidade para o início dos atos terroristas/criminosos.

Dadas as semelhanças, lança-se a pergunta: há razões para se diferenciar, ou minimizar um tipo de terrorismo em relação a outro? Independente de motivações religiosas, políticas, econômicas ou culturais, as ações perpetradas pelo Hamas, pelo Hezbollah, pelo PCC, pelo Comando Vermelho, ou pelo Domínio de Cidades, independente das circunstâncias de tempo e espaço, vestem o mesmo manto de terror quando praticado contra aqueles mais vulneráveis, aplicando-se o terror indistintamente para adultos, crianças ou idosos, homens e mulheres, inválidos ou sadios. A dor e as sequelas permanentes de quem perdeu um familiar alvejado pelo fuzil de um terrorista palestino serão as mesmas para quem viu seu filho(a), esposo(a), irmã(o) ou genitor(a) morrer nas mãos de criminosos durante um roubo a um estabelecimento bancário.

No ano de 2016, em decorrência de pressões internacionais, o Brasil sancionou a lei nº 13.260 (Lei Antiterrorismo) que passou a definir os atos de terrorismo em território brasileiro. Hoje, mais do que nunca, urge sua atualização para que modalidades de crime como o Novo Cangaço e o Domínio de Cidades possam ser penalmente tipificados como correlatos ao terrorismo, prevendo-se características e circunstâncias próprias desses crimes que hoje, por conta dessa ausência normativa, acabam por beneficiar quem participa do planejamento e execução desses crimes, a exemplo da falta de previsão de punibilidade dos atos preparatórios.

Subestimar as organizações criminosas brasileiras em relação ao seu potencial para fomentar e gerar o terror em larga escala, seja no interior de comunidades dominadas ou através do Domínio de Cidades e/ou do Novo Cangaço, seria uma ingenuidade diante da extensa e indubitável demonstração de terror feita pelas facções do crime há mais de três décadas. O terrorismo doméstico protagonizado pelas organizações criminosas brasileiras tem sido o principal mecanismo para que o crime organizado se mantenha no patamar que hoje ocupa nas diversas esferas de poder da nação. Por essa razão, tanto a legislação penal, como as estratégias organizacionais de defesa devem estar constantemente atualizadas e alinhadas para o enfrentamento ao terrorismo criminal no Brasil.

O recente ataque terrorista a um país tão bem estruturado em segurança e inteligência como Israel só comprova que todo serviço de inteligência é passivo de falhas. Tais falhas devem ser aceitas para que possam ser trabalhadas e evitadas. Essa constatação, ao invés de produzir desestímulo nos estados, deve impulsionar o incessante investimento na produção do conhecimento de qualidade, no compartilhamento seguro de informações e nas estratégias inovativas de defesa.

Em cima dessa reflexão, reitera-se a expectativa de que o governo federal e os governos estaduais do Brasil, através de suas autoridades constituídas, avaliem a importância da elaboração célere e responsável de seus planos de defesa, como ferramentas de prevenção e coordenação para se viabilizar um acionamento imediato e intersetorial de todos os braços do estado, possibilitando que as forças de segurança e a sociedade civil tenham condições de executar medidas efetivas de sobrevivência para a população frente ao terrorismo doméstico.

*Coronel da ativa da Polícia Militar de Roraima. Especialista em Gestão Estratégica de Segurança Pública. Mestre em Ciências Policiais da Segurança e da Ordem Pública.

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