OPINIÃO

E lá vinha ele...

Walber Aguiar*

Tenho razão de sentir saudade

Tenho razão de te acusar

Houve um pacto implícito que rompeste

E sem te despedires foste embora.

                                          Drummond

Seu Sérgio era gente, no sentido mais amplo da palavra. Gente de gentil, de gentileza, de homem enternurado, cheio de discreta mineirice; que sumia, que andava, que saía devagar, mas com uma certa cerimônia. Sérgio era simplesmente mineiro e mineiramente simples. Um tanto organizado, um tanto engraçado, um pouco inconversável.

O menino brincalhão de Patos de Minas, das Minas Gerais, como gerais eram suas piadas e olhares caricaturescos, estava sempre ali, no bar do Zuza Mineiro. Um dia ele me mostrou uma peça de advogado. Estava irretocável. Através daquela arte do Direito o menestrel de Patos livrou seu irmão de pagar trezentos e tantos mil reais, fazendo cair o valor para três mil e quinhentos.

Sérgio era impressionante. O economista quase advogado, o homem dos números e das letras, o mais simples visto como o mais importante. Gostava de Fernando Pessoa e seus poetas da alma, de Drummond, como aquele que quer abrir a porta e morrer no mar. Mas o mar secou, e seca quando queremos voltar a ele de repente; quando mergulhamos na vontade de viver, e de viver na abundância da quietude.

Eu não sabia seu nome todo. Conhecia apenas por Sérgio, aquele que guarda, que protege, que serve a Deus, a si, ao próximo. Guardava o que era bom, pois mantinha em seu depósito o riso, a brincadeira, a alegria de viver. Sim, ele também nos protegia feito o anjo citado por Drummond, desses que vivem deitados na sombra e estendidos na imensidão do silêncio.

Também nos conduzia através de sua verve, sua palavra, seu bom humor. Estava sempre na retaguarda, captando, percebendo, elaborando frases e palavras engraçadas. Nas aulas de gastronomia ele brincava de cozinhar, sempre passando alguma receita nova para nossa gulosa alma, enfastiada com a mesmice culinária do cotidiano.

Também era aprendiz de Drummond, o itabirano, fazedor de versos e de pedaços de felicidade. Quando estava embalado pelo prazer etílico, declamava versos, palavras ao vento, sem gaguejar. Da mineira Adélia Prado, do maranhense Ferreira Gullar. Viveu como quis viver, morreu como quis morrer. Com um ar de riso ele fazia lembrar da cantoria de Toinho, da falação desastrada de Beto, das mil e uma invenções de Pepeu e seu nariz de Pinóquio.

Assim, o guardião, o homem que servia aos outros mais que a si mesmo, vai ser lembrado como era: um cara sóbrio e circunspecto apenas na aparência, mas extremamente brincalhão e espalhador de todas as alegrias da vida.

Vá em paz, irmão. Um dia sentaremos em roda, debaixo de uma frondosa mangueira, comeremos uns nacos de queijo e nos deliciaremos com toda a alegria possível…

*Poeta, mestre em Letras, historiador, professor de filosofia e membro da Academia Roraimense de Letras