Novos tempos para o cinema brasileiro
Éder Rodrigues dos Santos
Thiago Chaves Bríglia
Os novos tempos para a cultura chegaram com notícias importantes para o audiovisual brasileiro. O cinema produzido no Brasil, que sempre foi respeitado em todo o mundo, mais recentemente, ganhou notoriedade internacional com a circulação do longa “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, protagonizado por Fernanda Torres. O filme foi escolhido pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais (ABCAA) para representar o Brasil na categoria de Melhor Filme Internacional no Óscar 2025 (EUA). Ganhou vários prêmios, incluindo a estatueta de melhor roteiro no Festival de Veneza (2024). A obra é ambientada no período de maior endurecimento e perseguição à liberdade, a arte e a política no Brasil, que foi o regime ditatorial militar dos anos de 1970.
Ao longo das décadas, a indústria do cinema no Brasil foi mais uma das vítimas do modelo civilizatório neocolonial conservador e da falta de investimentos públicos. Os altos e baixos da economia nacional e a ausência de políticas culturais foram dramas que o audiovisual precisou conviver para sobreviver ao longo de sua história. Notadamente, as cenas de horror protagonizadas com a extinção da Embrafilme nos anos de 1990 e a extinção da pasta da cultura em 2016 e 2019, foram capítulos de tensão que deixaram cicatrizes profundas. Isso porque o cinema brasileiro já convive, desde seus primórdios, com outra antagonista: a competição com filmes estrangeiros que dificulta o desenvolvimento da cadeia produtiva e impede a elevação da participação no mercado (o market share) dos filmes nacionais.
Criado pelo Governo Sarney em 1985, o Ministério da Cultura (MinC) fez o que todo país em crescimento faz para valorizar seu povo: preservar e valorizar o patrimônio material e imaterial, estimular a produção cultural, apoiar atividades culturais que enfrentem correntes dominantes com vistas a projetar o pertencimento plural e promover a difusão e o intercâmbio culturais. Consolidar o MinC é um bom negócio para artistas, gestores culturais e é a forma mais concreta de permitir à população o direito à cultura. Este direito é garantido na Constituição Brasileira, no artigo 215, no qual o Estado é obrigado a incentivar e apoiar a difusão e valorização das manifestações culturais. Os governos anti-culturais não suportam a arte, pois ela está abraçada com a liberdade, a cidadania e a democracia.
A estrutura de mercado em audiovisual pode ser compreendida pelas etapas de produção, distribuição e exibição. Pesquisas têm verificado que a estrutura do setor no Brasil é fortemente concentrada nestes três elos da cadeia produtiva. Já a dinâmica do setor é alimentada pela produção atrelada às políticas públicas de fomento. Por isso, o incentivo do estado com foco na produção é importante. Não só apoio federal, mas local. As leis emergenciais federais Aldir Blanc (2020) e Lei Paulo Gustavo (2022), que foram respostas do Brasil ao impacto da pandemia de Covid-19 no setor cultural, foram decisivas para estados de regiões como Norte, Nordeste e Centro-Oeste, no estímulo ao crescimento da indústria do cinema. Para efetivá-las, muitos governos estaduais e prefeituras, dentro do pacto federativo, precisaram se adequar aos novos desafios, na elaboração de editais locais de fomento e premiações para todos os segmentos culturais, deixando evidente aquelas cidades e estados com maior ou menor engajamento com os fazedores e fazedoras de cultura e compromisso com a indústria cinematográfica.
Em tempos de retomada, outra notícia que chega em boa hora para o audiovisual é a definição das diretrizes do Plano de Ação de Chamadas Públicas do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). No segundo semestre de 2024, o Comitê Gestor do Fundo Setorial Audiovisual, que é composto por representantes do poder público e sociedade civil, definiu que o investimento no setor será de R$ 800 milhões. Destes, R$ 300 milhões serão investidos na produção de filmes brasileiros independentes destinados aos chamados Arranjos Financeiros Estaduais e Regionais. Funciona assim: a cada R$ 1,00 real investido pelo estado ou pelos municípios, o Governo Federal investirá R$ 3,00 em projetos audiovisuais. Investimento que eleva o nível de compromisso e a maturidade dos estados e municípios.
A iniciativa regional é, portanto, o fator central que vai determinar o investimento do FSA. Por isso, é preciso prever a contrapartida do recurso local na Lei Orçamentária dos estados e municípios. O compromisso do MinC e da Ancine são demonstrados com estas propostas de qualidade. Os artistas e gestores culturais agora aguardam a resposta dos seus estados e municípios. Revitalizar o mercado audiovisual, promover a inclusão social e cultural, e garantir que o Brasil se consolide como um protagonista na produção cultural internacional é papel de todos, neste particular, dos entes federados, como estados e municípios, que precisam ficar atentos aos processos e aos prazos.
Viva a cultura! Vida longa ao audiovisual brasileiro!
Éder R. dos Santos é jornalista, sociólogo, mestre e doutorando em Geografia Cultural e Humanista; membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vidas e Culturas Amazônicas da Universidade Federal de Rondônia; da Mostra Internacional do Cinema Negro (SP); do Comitê Pró-Cultura Roraima. É presidente da Associação Roraimense de Cinema.
Thiago Briglia é produtor e diretor cinematográfico. Mestre em Comunicação Social, graduado em Jornalismo pela Universidade Federal de Roraima e Técnico em Direção Cinematográfica pela Academia Internacional de Cinema / AIC – SP. Atua como vice-presidente da Associação Roraimense de Cinema e membro do Comitê Pró-Cultura RR.
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