OPINIÃO

Mapeamento e afirmação da cultura de Roraima 3: Amajari  

Éder Rodrigues dos Santos

Jefferson Dias (Mestre Biriba)

A cultura artística é dinâmica, móvel, híbrida e transformadora. O “Panorama Cultural de Roraima” (Editora de UFRR, 2016) publicação organizada pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), com o apoio da Secretaria de Articulação Institucional do Ministério da Cultura (MinC), nos permite visualizar a importância do mapeamento da gestão cultural dos municípios de Roraima. Os dados obtidos pelos pesquisadores enriquecem os estudos sobre o segmento artístico-cultural, iniciativa pioneira e necessária para pensarmos o futuro e as melhorias do setor.

No artigo intitulado: “Levantamento sobre a cultura do município de Amajari”, os autores destacam que, desde 2012, o município tem buscado implementar e desenvolver ações com foco em uma política cultural democrática vinculados aos princípios do Sistema Nacional de Cultura, modelo de gestão estruturado para integrar, articular e organizar a gestão cultural do Brasil. Com ele, estados e municípios têm um norte para construírem seus mecanismos de planejamento e controle social, com vistas a democratizar a cultura.

Diz o texto: “O Sistema Municipal de Cultura é o princípio de tudo, mas sem o Plano Municipal de Cultura nada disso poderá se concretizar […]. Aspectos econômicos, históricos, geográficos e políticos do município são fundamentais para compreender os elementos culturais que se estabeleceram nesse espaço. Também contribuem para pensar os avanços e as limitações para o desenvolvimento da diversidade cultural presentes no município de Amajari”.

Do ponto de vista estrutural e geográfico, verifica-se que a malha rodoviária de jurisdição municipal apresenta uma extensão de 201,2 km e o acesso ao município de Boa Vista é feito pela BR-174 e RR-203 com pavimentação. A população da região é composta de indígenas e nordestinos. O lugar recebe o nome de “capital do forró”. A bacia hidrográfica é composta pelos rios Uraricoera, Parimé e Amajarí, e a cobertura vegetal é caracterizada por florestas densas e savanas. A área demarcada como reserva indígena representa 58,71% da área do Município. Suas áreas são: Ananás, Aningal, Cajueiro, Ouro, Ponta da Serra, Santa Inês, da etnia Macuxi; Anaro, etnia Wapixana; Araçá (Macuxi/Wapixana) e; Yanomami.

No Amajari está localizada a bela região do Tepequém, onde a beleza da serra atrai milhares de pessoas todos os anos. É tema de músicas regionais, já brilhou no cinema, é poesia aclamada por artistas e autoridades locais, sendo um dos grandes atrativos turísticos do estado. O Tepequém é sede de eventos que ficaram na história cultural. Ali foram realizadas as edições do Tepequém Jazz Blues Festival; a Mostra Picuá de Cinema e Literatura; é palco da tradicional corrida Tepequém Up; Evento Cruviana – Camará com duas edições, que teve como finalidade difundir a prática da capoeira além da fronteira de Boa Vista.

Registra-se no município uma pujante produção cinematográfica de cineastas que moram ali. A iniciativa “Amajari Filmes” (@amajarifilmes) tem revelado talentos premiados no campo da fotografia, direção e elenco no campo da ficção, assim como na linguagem de animação. Na capoeira, destaque para o Grupo Irmandade Negra, que desenvolve aulas de capoeira para crianças, jovens e adultos e promove eventos durante todo o ano.

Tais iniciativas movimentam a economia e a autoestima da população. Pousadas, hotéis, campings, bares, restaurantes e sistema de transportes são beneficiados diretamente nesse processo. Os eventos culturais são: os festejos da Padroeira Santa Luzia; festa junina; jogos e festejo da Comunidade Indígena Araçá; Festival do Tepequém; o tradicional Festejo do Quarto de Bode, com o Forró do Quarto de Bode, considerado patrimônio cultural imaterial de Roraima pelo Poder Legislativo. Além disso, conforme catalogação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), existem dezenas de sítios arqueológicos na região do Amajari.

Somadas a isso, as comunidades indígenas do município articulam-se para ingressar na prática da visitação turística ordenada. O etnoturismo desponta como uma saída viável às comunidades. Assinalam os autores que: “Os povos mais numerosos são: Makuxi, Yanomami, Wapixana e Taurepang. As tradições indígenas estão presentes em suas festas, jogos, organização, línguas e dialetos, construções, comportamento, escrita, culinária, bebidas, modo de vida, hábitos e costumes”.

Em contraponto, há ainda, um excedente crescimento populacional na região na última década, sobretudo, na região da serra do Tepequém. Tal expansão habitacional esbarra em desafios com o crescimento desordenado e pela ausência do plano diretor municipal definido. O ordenamento territorial pode contribuir em dois aspectos: para melhorar o processo habitacional e para evitar a degradação da natureza.

De certa forma, quem por lá habita ou quer viver no Tepequém verifica, na prática, um descontrole urbano e enfrenta uma possível resistência sociocultural daqueles que já se consolidaram no lugar. Se por um lado, há um progresso quanto a renda per capita, por outro, estado e município têm grande responsabilidade na implementação de uma política cultural e ambiental para que se mantenha a preservação das belezas culturais, como também, na organização de um cronograma cultural que possa ser agregadora junto a sua diversidade sociocultural e no pertencimento.

Ainda assim, cabe ao poder público superar tais desafios junto à comunidade e órgãos de controle, com um diálogo aberto, participativo e inclusivo junto à comunidade. É possível criar outros mecanismos de sustentabilidade na região, como por exemplo: implantar o empreendedorismo de base, respeitando o pertencimento cultural do local; fomentar a economia da cultura, no estabelecimento de um cronograma cultural e de preservação; a capacitação por meio de parceria público-privada; a ampliação da fiscalização territorial, dentre outros. Fazer política cultural e garantir direitos culturais, requer um esforço conjunto e contínuo.

“Iê! Viva meu Deus! Iê, viva meu mestre quem me ensinou!”, já diz o capoeirista agachado ao pé do berimbau.

Éder R. dos Santos é jornalista, sociólogo, doutorando em Geografia pela UNIR, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Modos de Vidas e Culturas Amazônicas (UNIR), da Mostra Internacional do Cinema Negro (SP) e do Comitê Pró-Cultura Roraima. É presidente da Associação Roraimense de Cinema.

Jeferson Dias – (Biriba), é mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN; Especialista em Filosofia da Religião (UERR), Pós-graduado em docência do nível Superior e Bacharel em Direito. Membro do grupo de Estudo e Pesquisas em Africanidades e Minorias Sociais (UFRR). Contramestre de Capoeira pelo Grupo Senzala e Fundador do projeto social Instituto Biriba. Membro do Comitê Gestor da salvaguarda da Capoeira de Roraima e Membro do Comitê Pró-Cultura Roraima. Foi Presidente da Federação Roraimense de Capoeira (2019 à 2022). Foi professor de Direito Penal, Ética, Bioética e Legislação Trabalhista na instituição Ser Educacional.

Panorama Cultural de Roraima 2016