OPINIÃO

Memórias de Cabo Branco

Walber Aguiar*

Com as dores eu aprendo, com as alegrias eu aproveito…

Carlos Fábio

João Pessoa, uma da tarde. Quase duas. Uma figura aparece. Um carro novo, um sorriso velho, um corpo surrado, um abraço fraterno e apertadíssimo. E não nos conhecíamos. Carlos estava ali, Caio Vinicius estava ali, naquela geografia do inusitado, do desconhecido, do estranhamente bom e demasiadamente simples. Por um minuto a vida passou e ficou, andou e parou no tempo. Ali começamos a perceber todas as sutilezas do ser, todas as cores e matizes do encontro, numa realidade poética de tantos desencontros pela vida.

Só por um minuto o diálogo, a humanidade presente, o toque, o cheiro, a percepção tátil. Aprendemos a ler não com livros, aprendemos a perceber não pelos grafismos da língua, mas passamos a compreender pela via do encontro, pelo encontro da via. Assim, a vida não se deixa grafar pelas repetições, pelo aprendizado didático-pedagógico do discernimento da escrita. Divisamos e internalizamos o existir na capacidade de perceber pelo epitélio, pelo calor do momento, pelos esbarrões históricos da alma.

Só por um minuto a leveza do contato, o chão leve da dimensão histórica concreta, o prazer de comunicar, de dizer o que se passa, o como e o quando, o desejo e a censura, o metafísico e o apalpar existencial. E o carro seguia na direção de Cabo Branco, da última fronteira do leste paraibano. Da miragem no olhar, da distância enquanto aplacadora da ânsia mal elaborada; da vertigem, da vastidão oceânica diante de nossos olhos.

Só por um minuto o caminho, a trilha, o cansaço existencial, a dor de ser e de estar, o mergulho na esperança, ainda que imersa na azáfama dos dias, no cotidiano muitas vezes sem aventura. Mas, pra quem descansa no eterno, a dor tem um significado terapêutico, a rotina tem uma cara de novidade, o tédio não tem um T tão grande assim. A frustração não possui essa enorme voracidade, esses tentáculos invisíveis que nos agarram todos os dias. Pelo contrário, ela não nos engessa, não nos paralisa, apenas nos catapulta para a realização do ser nessa concreção histórica, nessa realidade suportável.

Só por um minuto o choro que dura uma noite, a alegria que vem pela manhã. Um churrasco devorado na praça, a capacidade de gargalhar com os que sentem prazer, e de chorar com os que sentem dor. E ali, sentimos toda a sua dor, na confissão simples, no desejo de falar mais do que a boca, de se fazer entender mais que a mente possa captar.

Só por um minuto que pareceu horas, fomos curados substancialmente; por aquele que irradiava alívio em meio a dor, compreensão diante da complexidade. O abraço da despedida foi maior que o do encontro. No entanto, não sentimos a morte no último gesto, mas a certeza do encontro sob as mangueiras do eterno e da eternidade.

Afinal, morrer, não é, segundo Quintana, apenas estar deitado de sapatos, mas, começar a viver, inaugurar o dia do nascimento, segundo Carlos Fábio…

Só por um minuto…

*Poeta, professor de filosofia, historiador, Conselheiro de Cultura e membro da Academia Roraimense de Letras.