OPINIÃO

"MEU NOME É ENÉAS!”

A história do presidente que o Brasil não teve, a análise do conhecimento enquanto critério fundamental para o exercício presidencial e a falsa pecha de um autoritário

"MEU NOME É ENÉAS!”

Para não ser exaustivo e, sobretudo, em respeito ao seleto leitor deste jornal, evitá-lo-ei a prolixidade do texto, atendo-me a essência do processo reflexivo que o tema assim o exige, porém, suplicando em favor da paciência dos consumidores de leitura,  compilando, portanto, a tríade: história do personagem, conhecimento como requisito sine qua non de um presidente e a rotulação ideológica de um falso autoritário. Pois bem, tragamos à baila a contextualização, aqui sugerida.

Enéas Ferreira Carneiro, foi um polímata brasileiro, nascido em Rio Branco, no estado do Acre, em 5 de novembro de 1938, cuja infância remonta ao humilde bairro, 6 de agosto, situado na referida capital, local onde vivia o protagonista, aqui, aludido, assim como o irmão mais velho, Eustáchio Júnior e os seus pais, Eustáchio José Carneiro e a dona de casa, Mina Ferreira Carneiro. O nosso protagonista foi aluno destaque em todas as séries, classificando-se em primeiro lugar durante os anos da educação básica. Deveras, a têmpera educacional aguerrida, o contato com ensino público de qualidade e, sobremaneira, o incentivo dos pais configuraram premissas essenciais para forjar a personalidade do ínclito Dr. Enéas. (VELLOSO, 2022).

No mês de fevereiro de 1960, postula uma vaga no vestibular da Faculdade Fluminense de Medicina e Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro (atual UNIRIO), concorrendo com outros 755 (setecentos e cinquenta e cinco) candidatos, apenas 5 (cinco) destes, lograriam êxito, sendo Enéas o primeiro colocado (VELLOSO, 2022). Pari passu ao leque formativo do Dr. Enéas estava a capacidade exponencial desse protagonista em conjuminar áreas de conhecimento em meio a um pujante autodidatismo e, aqui, faz-se lembrar seu domínio nos campos da astronomia, filosofia, história, sociologia, economia, paleoantropologia, língua inglesa, psicologia, política, cibernética, direito constitucional e eleitoral (VELLOSO, 2022).

Demonstrando profunda indignação em relação ao jugo e submissão do País vis-à-vis o cenário internacional e a perda de riquezas nacionais, Enéas lança-se como postulante à presidência da república em 1989, renovando sua intenção em 1994, quando cônscio de sua infiltração junto ao eleitorado assombra inúmeros especialistas do âmbito político, recebendo pouco mais de 4,6 milhões de votos , alçando-se no pódio presidenciável como terceiro lugar, superando inclusive políticos renomados, a exemplo do ex-governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia e o ex-governador de Santa Catarina, Esperidião Amin (VELLOSO, 2022).

Em 2002, tomado pelo famigerado Slogan “Meu nome é Enéas”, ele se esmera no propósito de assumir uma cátedra na Câmara Federal, surpreendendo no que tange a votação, pois, trata-se da votação mais acachapante da história do Brasil até 2018, angariando 1,5 milhão de votos, fato que predispôs ao seu partido a eleição de mais cinco candidatos com votações diametralmente opostas.

Ao ser confrontado, entrementes, pelo jornalista Fernando Mitre, no programa Roda Viva, sobre as qualidades do candidato que representava a esquerda, Enéas ponderou que não teria nada em particular contra o postulante, demonstrando-se inclusive, refratário e resistente a uma análise do personagem de modo pessoal, todavia, se predispusera a fazê-la, sem titubeio, levando em consideração o discernimento do petista no que toca às questões centrais do Brasil. Naquele soflagrante, o entrevistado pôs em xeque a tão propalada estrutura de pensamento do partido dos trabalhadores e seu antagonismo ao indicar na sua linha de frente para o cargo máximo da nação, uma pessoa malpropícia (inadequada, imprópria) e sem preparo, no sentido de capitanear os rumos da nação. Não se trata de juízo temerário, infundado ou, quiçá, discriminativo por parte do Enéas, ao passo que sua avaliação era ajuizada na premissa universal da competência, conforme se verifica em uma de suas falas: “Para pilotar um avião exige-se um curso, para dirigir uma escola exige-se que a pessoa tenha um diploma, para ser presidente da república não se exige nada?”.

Ante a adversidade intelectual, o letrado médico costumava reiterar sua primazia pela apófase (proposição negativa, negação) ou catáfase (afirmação, proposição afirmativa), ou seja, no seu vocabulário não existia o verbo achar, “ou se sabia ou não se sabia algo”! O próprio Enéas declarou em determinada feita: “O Brasil é um país onde todo mundo se exprime e dá opinião sobre qualquer coisa. A impressão que se tem, quando a gente ouve ou assiste a um programa é que todo mundo “acha”. Eu não acho nada! Eu sei, ou não sei (VELLOSO, 2022).

Alguns temas polêmicos foram trazidos a lume como meio de cunhar no imaginário popular o labéu (mácula, mancha, desonra) de autoritário, extremista e preconceituoso quando o assunto em voga era Enéas Carneiro. Adstringindo-se ao crivo de temas de maior envergadura, exemplifiquemos:

Em 1994, no programa roda viva, exibido pela Tv cultura, Dr. Enéas fora questionado pelo jornalista chefe de redação da sucursal, o globo, Josemar Gimenes, sobre qual tratamento o postulante a presidência dispensaria ao tema homossexualidade, indagando-o no que tange a possiblidade do entrevistado discriminar ou não o homossexual. O entrevistador reafirmou o trato dado pela OMS a matéria e endossou falas, nas quais o candidato declinou sobre a temática, caracterizando-a como uma perversão (RODAVIVA, 1994).

Frente ao tema, alude Enéas: “Bom, vamos. Perfeito, a pergunta é clara e vamos respondê-la da mesma maneira em que temos feito em todos os locais. Viro para o senhor, não é? Bem devagar. O homossexual, sem dúvida, pertence a um grupo, veja o senhor, que, se se generalizasse, representaria a extinção da espécie”.

“Vamos lá, ao tratamento. O homossexual é um ser humano como qualquer outro, um ser humano que merece respeito, que merece educação, merece hospital, tudo. Agora, uma coisa é ele existir como ser humano. Vou falar bem devagar, para não haver distorções! Outra coisa é ele ser apresentado como exemplo de comportamento sexual. Veja bem, ele pode ser exemplo como artista, um escultor, um pintor; agora, ele não pode, está errado quem disser isso, porque a sociedade, veja o senhor, é feita para se reproduzir”.

“Não estou nem usando textos bíblicos, estou falando de ciência. O maior de todos os impulsos que existem no planeta é o da preservação da espécie – é maior até do que o da preservação do próprio indivíduo. Então, o homossexualismo, veja o senhor, ele não pode ser apresentado como uma terceira via, como um caminho natural! Não, o homossexualismo é, veja o senhor, um desvio. De que natureza é, há muita discussão. Quando o senhor citou a Organização Mundial de Saúde, eu conheço o que o senhor está dizendo. Há muita discussão, não há consenso (RODAVIVA, 1994).

Mas uma coisa é clara: ser homossexual não é um exemplo, do ponto de vista de atividades”.

Observa-se, portanto, que o Dr. Enéas não menoscaba ou impõe preconceito ao público de orientação homossexual, conduzindo o debate na direção do binômio reprodução e preservação da espécie, ombreado exclusivamente na seara cientifica do seu discurso, e, aliás, reconhecendo a isonomia configurativa desta classe no que tange aos direitos e deveres de um cidadão, isso dito, estar-se-ia confrontando e refutando especificamente a anunciação de que esse grupo seria um padrão exemplar a ser adotado pela sociedade, porquanto, o médico costuma asseverar: “ O homossexual deve ser respeitado e não aplaudido”.

No mesmo programa o repórter Fernando Mitre interpelou. quase que em tom pernicioso. o personagem Enéas: “O regime militar que foi implantado no Brasil se aproximou desse modelo que o senhor entende?

De forma monossilábica e, sem tergiversar, Enéas responde: Não. Em seguida ele explana sobre o regime militar, contextualizando as falhas do modelo suscitado em relação a ausência de formação do cidadão e ao processo de asfixia impingido a impressa pelos militares, demonstrando-se profundamente favorável a liberdade da imprensa, outrossim, reconhecendo sua importância e poder para fiscalizar e difundir as informações, porém, o doutor faz um parêntese fulcral: “Não há partido, nenhum. Então, a imprensa tem que ter liberdade para isso. E ela terá essa liberdade com a nossa chegada, sem dúvida, para fiscalizar aquilo que está sendo feito, pois, se aquilo que nós queremos fazer tem que ser para o bem da nação, imprensa tem que ter. Isso é uma coisa. Outra coisa é a absoluta falta de responsabilidade com que a impressa se comporta atualmente. Por exemplo, cito de modo claro: na capa de uma revista aparecem as três figuras magnas do país – sua excelência, o presidente da República; sua excelência, o presidente do Congresso; sua excelência, o presidente do Supremo Tribunal Federal – vestidos como pessoas do sexo feminino em uma dança. A revista se chama “revista Veja”. Eu não entendo que lucro, que vantagem a nação tem com isso. Estou sendo sincero, com a mesma clareza com que falo sempre. Então, reparem: chamam-me de autoritário; eu digo: “não, eu quero ordem, quero respeito, quero liberdade de expressão”. Mas quero responsabilidade, também, e quero crer que não haja nenhum pai de família que goste de, às sete horas da noite, ligar um instrumento, um aparelho de televisão e ver na tela, expostas, cenas de lascívia; de luxúria; de lubricidade; de sexo quase explícito; que deformam a personalidade e a formação de seus filhos! Eu não acredito que haja nenhum chefe de família lúcido que goste disso (RODAVIVA, 1994).

A busca pelo exaurimento da miríade literária e audiovisual que deu fulcro a produção desse estudo possibilitou uma compreensão mais acurada dos ideais inseridos no projeto fundado e capitaneado por Enéas Ferreira Carneiro, ao passo que não permitiu justificar o epíteto de neofascista atribuído por alguns pesquisadores ao ex-presidenciável, pois mesmo diante de temáticas polêmicas, o médico apenas reproduzia consensos preconcebidos coletivamente pela cúpula partidária sob o arrimo propositivo que os prosélitos do PRONA avaliavam ser uma solução social e economicamente viável para o País, não soerguendo ideias efetivas que solapassem a democracia. Ademais, grande parte dos materiais, aqui, avocados, deixa tácita a deturpação das ideias do político, como pode ser enredado nos temas alusivos à bomba atômica, homossexualidade, ordem e autoridade.

Prof. Weslley Danny – Doutor e Mestre em Saúde Coletiva, graduado em Filosofia, História, Letras, Biologia e Enfermagem. No que tange o segmento humanístico compila pós-graduações nas seguintes áreas: (ciência política), (filosofia, sociologia e ciências sociais), (ética e filosofia política) e (história e antropologia). Docente do ensino superior da Faculdade Claretiano – Boa Vista e do Instituto de Educação e Inovação- IEDI- Boa Vista.

REFERÊNCIAS

BURKE, Edmund. Reflexões sobre a Revolução na França. São Paulo: Edipro, 2014.

CALDEIRA NETO, Odilon. “Nosso nome é Enéas”: Partido de Reedificação da Ordem Nacional (1989-2006). Tese (doutorado) – Departamento de História, UFRGS, 2016.

ENEASTV. Dr. Enéas – A Verdade sobre a Bomba – A Garantia da Paz-1998. YouTube, 21 de dez. de 2017. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=ka-B0KIBVMU>. Acesso em: 18/07/2023

ENEASTV. Dr. Enéas – Conservadorismo e o Marketing Político – Parte 6/9. YouTube,8 de jun. de 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6UUv51Jc1Nw>.

Acesso em: 17/07/2023.

ENEASTV. Entrevista Doutor Enéas Programa do Jô. YouTube, 26 de ago. de 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=v8NtQOh1pg4&t=1618s>. Acesso em: 08 de junho de 2023.

GALVÃO, L. G. E. Enéas Carneiro e o PRONA: Nacionalismo e Conservadorismo no Brasil pós-ditadura militar. Revista Dia-logos, v. 10, n. 02, p.11-20, jul.-dez. 2016.

RODAVIVA. Roda Viva | Enéas Carneiro | 1994. YouTube, 9 de jun. de 2017. Disponível

em: <https://www.youtube.com/watch?v=l3EU9bsFkAE>. Acesso em: 12 de junho de 2023

VELLOSO, Renato. Meu nome é Enéas. 1.ed. Distrito Federal: Resistência Cultural, 2022