Sebastião Pereira do Nascimento*
A história recente nos conta que o então candidato à presidência da república, Jair Bolsonaro, se elegeu vinculado à extrema direita, com referências pontuais ao nazismo e discursos elogiosos ao Hitler e à ditadura militar. Portanto, Bolsonaro exercia uma retórica extremista com referências que remontam os negacionismos históricos, do holocausto, da escravidão e dos direitos humanos em uma perspectiva extremista. Em que pese tudo isso, não é fácil entender como esse discurso violento não serviu de impeditivo para eleger Bolsonaro em 2018 e para os apoios políticos que recebeu durante o seu adverso governo.
Diante do ocorrido, é mais fácil entender que Bolsonaro foi eleito em decorrência de uma fragilidade política incitada por uma ruptura golpista e corroborada por pessoas que tinham no seu interior, além da falência intelectual, os mesmos ressentimentos esdrúxulos e tóxicos urdidos pelo então candidato que o elegeram. Ressentimentos que navegam pelo mar da estupidez e impulsionam os sujeitos acéfalos a praticarem as mesmas atitudes ameaçadoras ou no mínimo dar um voto de confiança, pois guardavam em si os mesmos desatinos do candidato.
Dentre os principais episódios que assanharam os apoiadores de Bolsonaro, estão os turbilhões de acenos em alusão à ditadura, o fascínio pelo poder bélico, a falsa bandeira anticorrupção e a hipócrita valorização da família, dos bons costumes e da ordem patriótica. Seus apoiadores aplaudiam quando Bolsonaro prometia o desmonte das instituições de controle ambiental; a flexibilização das normas e dos trabalhos de fiscalização; quando dizia que não haveria mais demarcação de novas terras indígenas e áreas de conservação ambiental e que durante seu governo abriria a floresta amazônica e as TIs isoladas para as madeireiras, a mineração ilegal, o agronegócio e os grileiros de terras.
Os sequazes de Bolsonaro viam nele à sua imagem — dado que como ele a maioria não se declinava aos estudos, nem aos livros. Os sequazes aclamavam quando ele dizia que no seu governo iria “enquadrar” o ensino público e “enfraquece” as universidades, “cortando” os orçamentos do ministério da educação, das instituições acadêmicas e científicas e prometia reduzir as bolsas de apoio à pesquisa e pós-graduação, além de interferir nos programas de acesso às universidades: Enem e ProUni.
Os sectários também aplaudiam quando Bolsonaro prometia acabar com os incentivos à cultura brasileira; quando prometia adotar uma política de negação cultural e contrariar os diferentes segmentos e movimentos culturais representados no país; quando afirmava extinguir o ministério da cultura e suscitava nomear para os setores da cultura pessoas racistas, xenófobas e intelectualmente despreparadas.
Os apoiadores, contumazes em ferir as mulheres, se locupletavam quando seu mentor verberava declarações misóginas, evidenciando uma perspectiva de absoluta violência institucional contra as mulheres. E no mesmo contexto, tais apoiadores se sentiam representados quando Bolsonaro destilava aversão e ódio contra a minoria social — que forma a maioria da população brasileira —, excluída historicamente da garantia dos seus direitos básicos por questões: financeira, etnia, origem, gênero, sexualidade, etc.
Os adeptos da violência reconfirmavam o apoio ao Bolsonaro, quando ele afiançava deliberar o uso de armas para população, inclusive municiando fortemente as milícias urbanas. Uma atitude que incentiva a violência civil, aumenta a insegurança pública e prioriza a hostilidade em detrimento da harmonia; uma política antissocial que leva ganhos exorbitantes aos contraventores, contrabandistas e fabricantes de arma de fogo.
Quanto ao perfil dos eleitores bolsonaristas, tanto em 2018 quanto 2022, em linhas gerais, são sujeitos com concepções de mundo bastante retrógrada (semelhantes à Bolsonaro) que se alinham às atitudes antidemocráticas, oportunistas, reacionárias, subversivas, corruptas e violentas. Não menos que isso, é bastante comum ver bolsominions que defendem a tríade: família, pátria e Deus, mas que desonram a própria família; atenta de várias maneiras contra a pátria e toma o nome de Deus em vão e comete o pecado.
Diante desse contexto defendido por bolsonaristas, em nada guarda relação com o que se entende por “direita”, termo que, no terreno político, tem sido usado para se referir a diferentes posições políticas ao longo da história no mundo, desde a revolução francesa (1789-1799), onde passou a diferenciar “política de direita” de “política de esquerda”, sendo a primeira formada como uma reação contra a segunda, formada por políticos que defendiam a hierarquia e o conservadorismo.
Guardadas as devidas proporções dos contextos técnicos e racionais, que passa ao largo do imaginário de muitas percepções, é fato que conceitos de “direita” perduram na sociedade, porém bem diferente do que muitos idealizaram que fosse ocorrer, com o “bolsonarismo” que, ainda que haja divergência, é um conceito em extinção, cedendo espaço para práticas políticas muito mais coerentes com as necessidades reais da população brasileira. Portanto, considerando a longevidade das duas correntes políticas (“direita” e “esquerda”), podemos ter a convicção de que o bolsonarismo extremo não deve ter vida longa, visto que a cada dia vem sendo vertiginosamente diluído, reafirmando que uma política ideológica extrema que isole o Estado e exclua parte da população não sobrevive num país que nem o Brasil.
Bolsonaro, o político, surgiu há muito tempo. Há quase trinta anos pendurado nas tetas do congresso e, diante de um oportunismo sacana, chegou a presidente da república, sem, contudo, ser reeleito. Isso fez com que Bolsonaro não se tornasse um líder político efetivo. Pois, desde que foi retirado do poder, ele tem dificuldade de desempenhar um papel de líder da oposição ou partidário — algo que tende a piorar com a inelegibilidade. Durante todos esses anos na política, Bolsonaro mostrou a falta de capacidade para liderar qualquer coisa. Para ele o que interessa é o poder que não é propriamente “político” no sentido de construção de projetos, mas sim a prática maliciosa de se locupletar com os benefícios do poder, os benefícios da máquina pública. Na atualidade, a derrota eleitoral deixou Bolsonaro e o “bolsonarismo” com dificuldade para fazer uma correção de rumos. Também o núcleo familiar do ex-presidente, por exemplo, parece não se entender diante da derrota inesperada. Portanto, há um conflito em ebulição entre os diferentes grupos dentro da família e os grupos que o apoiaram.
Conflitos assim, foi possível ver desde os primeiros anos de governo, quando muitos colaboradores de campanha se distanciaram do presidente. Aos pouco “seus eleitores” menos bolsonaristas foram pulando do barco que se dirigia rumo ao naufrágio. Principalmente no período da pandemia, quando muitos dos apoiadores do ex-presidente o deixaram — esses agiram como se o limite fosse a morte, ou seja, Bolsonaro podia fazer tudo menos matar o povo de covid. No entanto, muitos se dispuseram, durante a pandemia, oferecer ajuda a Bolsonaro para que este levasse adiante seu plano de genocídio do povo brasileiro, principalmente os mais pobres.
Diante dessas circunstâncias, continuam com Bolsonaro todos os que corroboram totalmente com as práticas insanas destiladas pelo malfeitor. Os mesmos que naufragaram com Bolsonaro perante a derrota eleitoral de 2022. Logo, todos estarão submergindo (no mesmo barco) para o fundo das prisões, prestando contas à justiça. Ainda assim, até o final da submersão, muitos dos sequazes pularão do barco e darão um amargo tchau a Bolsonaro e seus náufragos, mesmo sabendo que cedo ou tarde todo o peso da lei recairá sobre todos.
Assim, com a inelegibilidade de Bolsonaro, podemos dizer que a porteira foi escancarada para que pouco a pouco a boiada esvazie o curral. E mesmo aqueles que tentam ainda defendê-lo têm dificuldade de emplacar suas narrativas, devidos os muitos escândalos e as muitas acusações que pesam contra Bolsonaro, o que, consequentemente, faz diminuir o apreço ao ex-presidente.
Hoje os setores que ajudaram a eleger Bolsonaro, principalmente o mercado financeiro, não vão se movimentar em favor do ex-mandatário. Também parte da burguesia que o colocou no Palácio do Planalto para que fizesse o trabalho sujo durante seu governo, já o abandonou. Os representantes do ex-presidente, principalmente no Senado, não reúnem dez ou doze parlamentares. Portanto, é uma ilusão imaginar que Bolsonaro tenha uma considerável representatividade política — se ele não tinha quando era presidente da República, imagine agora condenado e inelegível.
Com essa enorme mancha moral, logo não haverá espaço para o bolsonarismo nas pautas políticas do país, nem no seio da sociedade de bem. Qualquer um que seja representante do extremismo será execrado. Logo ninguém mais se atreverá dizer que é bolsonarista, pois estará excluído das pautas moderadas. Não muito longe todos vão ter receio de se ligar ao termo bolsonarista. Logo mais todos virarão a página do extremismo, de onde já vêm trabalhando para encontrar uma figura que atenda seus interesses e, ao mesmo tempo, dê aparência democrática ao processo político, assim descartando a possibilidade de ascensão de qualquer extremista bolsonarista.
*Filósofo, professor e escritor. Um dos autores do livro “Poemas, Contos e Microcontos”. Obra corporativa publicada em 2022 pela Editora da UFRR.
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