Ana Cláudia Siqueira Leite Pereira
Acadêmica do Curso de Filosofia da UERR
Se fizermos um breve passeio pela linha do tempo, revisitando a história com o nosso olhar voltado para as mulheres, com raríssimas exceções, constataremos sem muita dificuldade, uma certa “invisibilidade das mulheres” nas narrativas das grandes glórias e conquistas humanas e no protagonismo das dinâmicas sociais e políticas, bem como na produção intelectual nos diversos campos do saber. Veremos que essa realidade teve longa duração – muitos séculos a fio –, e começou a mudar, lentamente, no mundo ocidental, por volta do século XX, e mais efetivamente, nas últimas décadas… O papel da educação nas conquistas femininas foi e continua sendo fundamental.
Nesse contexto, a questão a se pensar, inicialmente, diz respeito ao fato de que as mulheres por muito tempo foram tolhidas de suas várias formas e possibilidades de expressão, o que inviabilizou, inevitavelmente, a sua participação mais ativa na sociedade e na produção do conhecimento em geral.
Aliás, vale lembrar que até para ter o direito de aprender a ler e a escrever, as mulheres enfrentaram um longo percurso no decorrer da história, e, posteriormente, os direitos à escolarização, e mais adiante, ao ingresso nas universidades e a sua atuação profissional no mercado de trabalho, foram direitos conquistados, paulatinamente, muitas vezes, dependentes, ainda, de autorização do pai ou do marido.
Assim, tem-se que a educação formal da mulher foi por muito tempo preterida, ocasionando, desta maneira, inúmeras consequências negativas que ainda podem ser sentidas nos tempos atuais em muitos aspectos morais, culturais, econômicos etc. Visto que esse longo período do seu “apagamento” da história, além de reduzir ou mesmo anular a existência de modelos femininos de relevância no cenário social que poderiam servir de inspiração para as gerações futuras, também produziu uma mentalidade coletiva arraigada de preconceitos contra as mulheres, ainda tão difíceis de combater nos dias de hoje, apesar dos avanços legais ocorridos nos últimos anos.
Por oportuno, cabe destacar que o papel da educação foi primordial na luta pela emancipação feminina. Pois, olhando para trás, é possível perceber, nitidamente, que desde os primeiros passos dados em direção à autonomia e ao avanço social da mulher, a educação sempre foi um fator determinante nesse processo, uma vez que, através dela ocorre, naturalmente, um processo de alargamento do próprio olhar feminino, diante dos novos horizontes que se descortinam à sua frente. A educação gera uma possibilidade real de evolução pessoal e profissional que tende a refletir na autoconsciência e na autocompreensão da mulher de enxergar-se como alguém plenamente capaz de realizar o seu potencial, responsável por si e digna de respeitabilidade.
A professora Maria Lucia Arruda Aranhai, refletindo a respeito de algumas dificuldades enfrentadas pelas mulheres, após a conquista da sua profissionalização e inserção no mercado de trabalho, destaca alguns exemplos de desafios ainda muito presentes na vida das mulheres, cabe aqui mencioná-los: os inúmeros dilemas de conciliação da sua vida privada com a pública, as dificuldades vividas no âmbito laboral pelo fato de ser mulher e mãe, bem como a desigualdade salarial no exercício das mesmas funções que o homem etc.
A mesma autora ressalta ainda que a assimilação da mulher no mercado de trabalho não foi capaz de encerrar definitivamente com as pechas remanescentes de sua história de exclusão, subjugamento e desvalorização. Reflete, dentre outros pontos, que ao homem há uma complacência social no que diz respeito a sua priorização da vida profissional, em detrimento da vida doméstica, incluindo os cuidados com os filhos. Já em relação às mulheres, é exigido que se “dê conta” de tudo, muitas vezes, sozinha, sem a divisão de tarefas quando há um cônjuge e/ou sem ajuda de terceiros.
Enfim, ainda há muitos resquícios do passado vívidos na mentalidade das pessoas, que maculam e ferem a dignidade das mulheres. As lutas pelo respeito aos seus direitos, arduamente conquistados, não devem cessar. E a educação é uma grande aliada não só das mulheres, mas de qualquer pessoa que pretenda avançar a um novo patamar de consciência, conquistar a sua autonomia e independência, bem como oferecer alguma contribuição social através do seu trabalho, da sua voz, da sua arte, da sua luz singular.
Outrossim, é válido reconhecer que após terem conquistado, arduamente, inúmeros direitos, é possível notar um verdadeiro estado de efervescência na produção intelectual feminina em diversas áreas, como na psicanálise, na ciência, na economia, nas artes, na literatura, na filosofia etc. A título de exemplo, lembrei da lista de mulheres laureadas com o Prêmio Nobel nas últimas décadas, disponível facilmente na internet. Todavia, é claro, há inúmeras outras conquistas, contribuições e premiações importantes e diversas obras femininas que vêm impactando positivamente a sociedade atual.
Ressalto ainda que, exemplos como o de Conceição Evaristo, uma mulher negra e de origem humilde, criada na periferia de Belo Horizonte, que transformou a sua vida, radicalmente, por meio dos estudos, tornando-se professora universitária e uma premiada escritora brasileira, devem servir de inspiração e modelo para as meninas e mulheres brasileiras que ousam sonhar, apesar das circunstâncias adversas.
Em conclusão, a educação universal transformou completamente a perspectiva feminina e tem contribuído cada vez mais na luta pela igualdade e pelo reconhecimento de sua relevância social. Ainda há um longo caminho a ser percorrido, mas a educação deve ser priorizada e prevalente no debate público, devido ao seu poder transformador na vida das pessoas.
i ARANHA, Maria Lucia; Filosofia da Educação; 2ª Edição; Editora Moderna; Páginas 95/96