OPINIÃO

Pânico na Casa de Apoio à Saúde – uma crônica real

      Em abril de 1999, eu (abaixo) trabalhava na Representação do Governo do Estado de Roraima, em Brasília, quando surgiu uma missão especial, administrar a Casa de Apoio à Saúde, em Manaus (AM), para pacientes carentes oriundos do Estado de Roraima.

     Um turbilhão de expectativas rondava a minha cabeça sobre a missão que iria desempenhar, na Casa de Apoio a Saúde, em Manaus (AM), à partir daquele abril de 1999. Depois do desembarque no aeroporto Internacional de Manaus, fui recebido pela Representante do Governo do Estado de Roraima e seguimos para Casa de Apoio à Saúde, onde fiquei hospedado por uns dias até alugar um apartamento no centro da capital amazonense, onde morei por dezoito meses.

     Manaus, o dia seguinte. Acordo cedo e encontro os primeiros pacientes e seus acompanhantes tomando café em uma enorme mesa de madeira. A Casa de Apoio à Saúde é de estilo antigo, com sobrado e imensas janelas. Onde, à partir daquele dia, teria uma rotina bastante extenuante, porém, muito gratificante, por ajudar pessoas humildes a encontrar a grande saída: o restabelecimento da saúde depauperada deles, diagnosticados dos mais diversos problemas de saúde que afligem os humanos, inclusive acidentados e suas sequelas inevitáveis. Dores!

    A Casa de Apoio à Saúde, abriga mais ou menos 70 (setenta) pessoas acomodadas em beliches duplos, nos seus dois pisos. Os meus afazeres eram bastante diversificados. A rede hospitalar me consumia um precioso tempo, além de marcar consultas, acompanhar de perto as cirurgias junto as equipes médicas e visitar os pacientes internados. Também, conseguir junto a Secretaria de Saúde autorização para realização de exames de alta resolução na rede particular, entre outros. Outra rotina muito estressante era receber os pacientes no aeroporto, muitas vezes por mês, vindos de Boa Vista, Roraima. O horário do voo era na faixa de 2h da madrugada. Quando era de emergência levava-os para o Pronto Socorro (no caso de acidentados). Obedecia aos trâmites até a internação e, somente depois retornava para meu apartamento. A essa altura um novo dia despontava no horizonte. Tinha que recomeçar. Uma rotina bastante exaustiva, mas muito realizadora. Que era sentir em cada um deles o olhar jubiloso de quem tem muito para comemorar de um novo recomeço. É indescritível de tamanha beleza esse olhar!

    Manaus, julho de 2000, um domingo. Estava em meu apartamento quando o telefone toca. Era o Matheus*, um colaborador muito importante. Dizia: Venha para Casa de Apoio urgente, o Júlio* está ateando fogo no colchão! Corri para lá e quando cheguei, o Júlio* estava sentado no sofá da sala sem camisa e usando uma bermuda clara. Sentei ao seu lado e estendi a minha mão para atenuar a sua dor. Conversa vai, conversa vem, no gesto, porque ele tinha deficiência auditiva. Num determinado momento, ele anda calmamente em direção da cozinha. Algo me dizia que deveria seguir seus passos bem de perto. A minha intuição estava certa. Num gesto rápido ele apanhou uma enorme arma branca, e quando a tragédia parecia inevitável, reuni todas as minhas forças, agarrei os seus dois braços, por trás, e bradei o maior grito da minha vida de socorro. Em instantes, fui atendido e contemos aquele cidadão desesperado. Quando a situação parecia sob controle voltamos novamente para sala. E para a surpresa de todos, do nada, ele levou um cinto ao pescoço e começou a apertar contra si. Depois de muito esforço físico, finalmente a paz voltou para alívio de todos. Naquele dia ordenei o Matheus* (acompanhante), que ficasse ao lado dele durante as próximas 24 horas, em vigília permanente.

    O Júlio* na época, era insuficiente renal crônico, há 4 (quatro) anos. A insuficiência renal é um problema muito grave. Leva cada paciente ao limite da dor física, mexe com o mental e o impossibilita de ter uma atividade profissional regular, porque é submetido a três seções de hemodiálise por semana, de aproximadamente três horas cada. É um processo de filtragem de substâncias indesejáveis ao sangue. O Júlio* foi transplantado, retornou para Roraima para continuar o seu oficio de acendedor de lâmpadas. Era eletricista profissional muito talentoso. Depois de 4 (quatro) anos do transplante veio a falecer. Uma história de vida real!

              *Os nomes são fictícios para preservar os mesmos.    

               Brasilmar do Nascimento Araújo* Ex: Diretor da Casa de Apoio a Saúde, em Manaus (AM).

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