OPINIÃO

Parque Anauá

As janelas da cozinha estão abertas, são quase duas da madrugada. Boa Vista é uma fotografia de silêncio; apenas os corpos noturnos e as garimpeiras das esquinas se movimentam. A noite está com brincos de brilhantes, e o vento ronca baixinho. O calendário marca dezembro, com decoração de Natal no corpo da minha cidade. Já tragamos, em momentos pequenos, as comemorações familiares. Em casa, as coisas também dormem. Na varanda, as flores, a bicicleta, a rede; dentro de casa, os eletrônicos descansam. As louças, os retratos, a mesa, a cadeira, o sofá, o espaço, o barulho — e eu.

Descanso-me em um sonho, deitado em minha cama. Esse sonho tem visita do meu ex-amor. Estou à beira do Lago do Parque Anauá, estamos sentados, escutando músicas e sendo observado pela tarde. Olho seu rosto. Ele me olha de volta, com suas duas esmeraldas e os lábios doces, e me pergunta: “Você me ama?”_  Digo que sim. Ele me indaga: “Tem certeza?”. O sonho se quebra, e um pedaço dele me acorda. Abro os olhos e procuro, do lado esquerdo da cama, o corpo e o ser que criei afeto. Tornei-o um ponto de segurança. O que existe agora é apenas apagamento, a ausência de alguém e uma confirmação que me nego a aceitar. O quarto está decorado de solidão. Estou acordado com a casa em repouso, o barulho dorme fora e dentro de mim. Sinto o cheiro da saudade. Os olhos querem chover, e me permito ser um voo de recordação do passado. Viro momento de chuva; os olhos soltam um sentimento líquido e digno de adoração.

Escuto o barulho da campainha. Saio do quarto, vestido de recordação e com lágrimas nos olhos. Vejo, pelo olho mágico, a tristeza: cabelos negros soltos, vestida em uma roupa confortável para dormir. Ela aperta novamente a campainha. Por um instante, penso em não abrir a porta. Estou envergonhado do que sou nesse momento. Minhas lágrimas estão expostas. Não sei ao certo se abri uma ferida do passado ou se são as recordações de quem amei, ou os momentos que passamos juntos, que me causam um estranhamento interno. Não sei se há dor, mas tenho certeza de que há uma pequena nascente em meus olhos. Seguro a maçaneta da porta, destranco-a e encontro a tristeza em minha frente, calada, apenas a me olhar. Atiro-me em seus braços, solto as lágrimas, o choro. Sinto que abraço todos os corpos que amei e que estão ausentes: minha avó, minha irmã, minha mãe, minha tia, o meu ex-amor e o pai que nunca tive.

A chuva dos olhos diminui. Agora, há apenas um sereno no choro. O momento do abraço me pinta de uma cura que vira uma vibração de tranquilidade. Suspiro um alívio particular. Desabraço a tristeza, agradeço com os olhos e a convido para entrar. Sentamos no sofá da sala. Conto-lhe sobre o sonho e as recordações que encontrei quando voava pelo meu passado. Ela apenas me olha e conforta-me com sua presença. Ganho colo, atenção, e sou atenção para ela. Coloco uma comédia romântica para terminar de secar a nascente dos meus olhos. Choro. Choro… até deixar de chorar. Assim que adormeço, mas antes de cair no sono, sinto o cheiro do meu ex-amor e ouço meu nome sendo dito em sua voz.

Desperto com o chamar da claridade do dia. Levanto-me do sofá, vou banhar o corpo e escutar o bom dia do chuveiro. Enquanto me visto, com a obrigação do trabalho, tento lembrar da madrugada. Mas o cheiro do café me desperta para o presente. Vou à cozinha. A casa está acordada, o dia já se ligou completamente. A mesa está posta com café, torradas e frutas. No cantinho, um bilhete esquecido: “Estava dormindo tão bem, não quis acordá-lo. Até a próxima! Ass.: Saudade.”

Senhoras e senhores, eu pensei que era a tristeza. Mas, agora, quando me vejo, percebo que não existiu dor. Apenas um choro de conforto. Mas, em mim, eu jurava que estava triste. Digam-me: como andam as suas saudades? Elas lhes visitam pelas madrugadas? Você já se permitiu ser um choro de saudade?

Ass.: Histayllon Santos_( aspirante a escritor)