Chove forte lá fora. Dia calmo, silêncio quebrado pela água batendo no vidro da janela; bom para um café demorado, ideal para arrumar memórias.
No outono da vida já não enxergo tão bem de perto, necessito de óculos; e não ouço tão bem de longe. Os sonhos estão mais curtos, assim como as noites, e os passos, um pouco mais lentos. O importante é continuar caminhando; seguir em frente. Sempre! “Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao andar”, Antônio Machado, dramaturgo espanhol.
No entanto comecei a me aceitar mais. Os arrependimentos diminuíram,
e a busca pela sua felicidade tornou-se prioridade, sem culpas ou explicações.
Aprendi com o tempo, que você escolhe seus amigos com precisão: apenas os verdadeiros permanecem. Dias de faxinar alguns.
Deixei de buscar respostas e dispensar conselhos não pedidos.
Não desperdiço energia com quem não me cumprimenta ou com quem fala sem saber fazer. A opinião dos outros é……. do outro.
Na calmaria, entendo, finalmente, que só existe uma vida, e ela não pode ser vivida com medo, mas com minhas imperfeições e algumas conquistas.
Com a idade, aprende-se a desacelerar, a saborear o momento, aceitar as marcas do tempo no rosto, e a dar menos poder ao reflexo no espelho.
Porque, com o passar dos anos, o que importa não é como você parece,
mas como você viveu, o que aprendeu, e principalmente o fez com o aprendizado.
Porque, às vezes, é preciso vagarosas pausas pra arrumar a mobília interior, rever os passos do caminho, escutar as batidas do próprio coração.
Tem dias que a gente se perde num labirinto sem fim, atropela as horas, ignora a paisagem e só sabe querer chegar. Chegar? Onde?
Tem dias que o tempo voa mais que folhas ao vento, e a gente esquece de respirar.
E cria monstros assustadores, passa veloz pelo espelho, se esquece num canto qualquer. Tem dias que a vida pede um pouco de atenção, de calma, de olhos demorados e paz no coração.
Aceitar o tempo — esse mistério esquivo que foge à minha compreensão.
Aceitar que a eternidade é um enigma para a mente mortal. Que o corpo, frágil e efêmero, não é imortal. Que ele envelhecerá, e um dia desaparecerá, lentamente.
Tive de aceitar que sou feito de memórias, e também de esquecimentos. De desejos não realizados, ruídos e silêncios.
De sussurros fugazes e noites estreladas, tecendo histórias em detalhes sutis.
Tive de compreender que tudo é passageiro, que nada dura para sempre. E isso é fascinante e desafiador.
E aceitar que a vinda ao mundo tinha um propósito: semear rastros de luz, antes que o grande silêncio apague. Não sei se é devido aos anos, mas baixei o volume do que ouço e aumentei o que sinto.
Me emociono com a visão de um pôr do sol, um gole de um bom café,
um vinho generoso, uma boa companhia, uma linda melodia, o calor de um olhar, o poder de um beijo. Como é bom beijo demorado.
O infinito, esse velho enigma que tanto escapa à razão, não mora nas estrelas distantes nem nas eternidades prometidas. Ele se esconde, sutil, na epifania do instante que passa. É uma sombra translúcida que dança no tempo, um segredo que só se revela quando já não há mais olhos para vê-lo. Não está no vasto, mas no ínfimo; não na extensão, mas na profundidade do agora.
Não sei se é devido aos anos vividos; mas apesar deles, sigo contemplando a vida
tão bela como ela é. Viver é mágico, divino e bárbaro.
Gosto de dias nublados e chuvosos, são bons para ruminar ideias.
Luiz Thadeu Nunes e Silva, Engenheiro Agrônomo, escritor e globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.