Por Marcelo Galuppo*
Houve uma época em que não podíamos discordar. Há quarenta anos, quem discordasse do governo era mandado para a cadeia, se tivesse sorte. Que a esquerda pôde protestar durante o governo Bolsonaro e que a direita possa protestar durante o governo Lula é indício de que vivemos em uma era com muito mais liberdade do que a em que viveram nossos pais.
Mas agora, discordar não é mais suficiente. Parece ser um requisito para viver no século XXI que estejamos divididos, armados e preparados para silenciar e, se for necessário, eliminar quem pensa de modo diferente. E isso não ocorre apenas no Brasil: dos Estados Unidos à Polônia, da Alemanha à Índia, estamos marcados pela polarização.
Na minha adolescência, quando nos reuníamos na casa de minha avó, havia uma regra que proibia três assuntos: futebol, religião e política. Trata-se de campos que envolvem todo nosso ser, nosso cérebro, mas também nosso coração. Por isso, nunca somos neutros e objetivos quando se trata de nosso time, nossa fé e nosso candidato: apoiamos nosso time na vitória, mas sobretudo na derrota, cremos em nosso Deus sobretudo quando ele parece estar ausente e defendemos nosso candidato mesmo quando tudo indica haver razões para votar em outro. É nossa própria identidade que está em jogo, quando se trata dessas questões.
Toda identidade se forma por um processo de pertencimento a um grupo, mas também de diferenciação, de individualização. Por isso ela é sempre tensa, e qualquer ameaça a seus valores expõe essa contradição, abalava visceralmente nosso ser e desencadeia em nós emoções profundas, nem sempre as melhores, como o ódio.
O ódio prejudica todo mundo: quem é ofendido, humilhado e violentado, mas também quem o manifesta, que se tortura por não ter sido capaz de se conter (e, se alguém não sente algum tipo de remorso depois de explodir em um acesso de ira, é porque há algo de errado com essa pessoa). O ódio afasta pessoas que se amavam e que podiam se respeitar até o momento em que ele surge. Toda sociedade pressupõe algum tipo de cooperação entre seus membros, e o ódio é um tipo de atrito que impede essa máquina de funcionar de maneira adequada.
Mas o pior de tudo é que o ódio nos cega: quando odiamos alguém, só conseguimos ver um aspecto de sua vida, somos fixados nele, emburrecidos pelas nossas emoções. Lutar contra o (próprio) ódio é reconhecer que as pessoas valem mais do que o time para o qual torcem ou o candidato em que votam.
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*Marcelo Galuppo é professor da PUC Minas e da UFMG e autor de Os sete pecados capitais e a busca da felicidade (Citadel Grupo Editorial).