Já tinha pensado em dois temas para escrever a crônica deste final de semana. Escolheria entre o primeiro mês de governo de “Donald Trump e a diplomacia do coice”, que está colocando de pernas para o ar um mundo já caótico, sem respeito ou empatia por ninguém. Com apenas trinta dias de governo, completados em 20/02, Trump à frente do país mais rico e poderoso do mundo, parece que está há décadas no poder. Ninguém nem lembra mais quem foi Joe Biden, o fraco presidente americano, por quatro anos. Ou escreveria sobre a insana guerra entre Rússia e Ucrânia, que segundo dados não oficiais, ceifou 80 mil vidas, e 400 mil feridos, torrando bilhões de dólares. A guerra entre Rússia e Ucrânia completa três anos, na próxima segunda-feira, 24 de fevereiro.
Mas resolvi mudar e escrever sobre uma pessoa muito especial. Na terça-feira, 17/02, acordei e vi nas redes sociais o comunicado de que Rachel Guisti Fleming havia feito a passagem no dia anterior. A morte sempre deixa um vazio, especialmente quando não estamos esperando. Não conheci Rachel pessoalmente, mas ficamos próximos pela redes sociais. Ela era irmã de Lílian Giusti, colega dos bancos escolares do Colégio Batista, que voou ao encontro da morte, de forma trágica, quando éramos adolescentes.
Ao saber que Rachel era irmã de Lilian, enviei-lhe uma solicitação de amizade, que logo me adicionou. Quando começamos a conversar, Rachel morava em Brasília. Acompanhei seus derradeiros dias na Capital Federal, a mudança para Petrópolis, RJ. Nos falávamos todos os dias. Comentávamos nossos cotidianos, falávamos sobre São Luís do Maranhão, que ela não visitava há tempo. Culta e inteligente, me mandava vídeos de músicas, que gostava. Muito Jazz e Bossa Nova. Sempre uma nova versão de um clássico. Coisa de gente fina. Leitora voraz, me indicava livros. Cinéfila, me dava dicas de bons filmes, especialmente europeus ou iranianos.
Comospolita, viajada, falávamos de lugares que já tínhamos pisado, destacando algo pitoresco. Fluente em línguas estrangeiras, era uma enciclopédia.
Mãe, avó e bisavó coruja, falava dos filhos, netos e dos bisnetos, com alegria e orgulho da prole. Recentemente havia enviado um vídeo com os bisnetos em pura farra. Não houve tempo de lhe enviar fotos de Heitor, meu neto, recém nascido.
Quando lhe enviava minhas crônicas, gentil e generosamente fazia comentários que me deixavam feliz e grato.
Recentemente, enviou-me uma mensagem, em que estava muito preocupada, pois recebera um aviso, via celular, para ficar alerta por causas das forte chuvas na região serrana do Rio. Era final de tarde, e toda a população local recebera a mesma mensagem. “Luiz, é muito preocupante tudo isso, não temos para onde ir”, dizia a mensagem. Mais tarde, mais tranquila, disse que tudo se acalmara.
Quando falei-lhe que estava passando por um problema, logo me perguntou: “Como posso ajudá-lo?”, oferecendo-me coisa rara em tempos líquidos, -atenção.
Dezembro fui ao Rio, viagem rápida, pensei em ligar-lhe, e se possível, subir a serra para conhecê-la, tomarmos um café, desfrutar de sua companhia. Não o fiz.
A morte tem essa maldade. É uma ruptura, nos priva do convívio, deixa além de saudades, muitas indagações. Quantas perguntas sem resposta, quantas coisas que não saberei de minha amiga Rachel, que um dia de chamei de Clarice Lispector, e que ela sorrindo me disse “não mereço tamanha importância”.
A vida, em sua essência, é desmedida e gratuita. O tempo nos é concedido sem contrato, e a morte nos espera sem taxa de devolução. A partida inesperada de Rachel, que escolheu a elegância como marca de sua trajetória, deixou em mim, uma saudade de quem nunca vi pessoalmente, mas fez parte de alguns dos meus melhores dias, provando que a vida passa que nem o vento, mas só fica o que é sentimento. “A parte que parte não consegue por inteiro partir, mas a parte que parte um pouco fica, a que fica um pouco parte. Embora essas partidas nos partam, elas são partes da vida, e a vida não deixa de ser arte”, poema celta. Rachel era puro lirismo.
Luiz Thadeu Nunes e Silva
Engenheiro Agrônomo, escritor e globetrotter. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.
Instagram: @Luiz.Thadeu