OPINIÃO

Reflexões sobre a vaidade sob o prisma de Matias Aires

Sebastião Pereira do Nascimento*

Matias Aires Ramos da Silva de Eça (1705–1763), ou simplesmente Matias Aires, reconhecido como o primeiro filósofo brasileiro, desenvolveu uma filosofia aforismática e moralista, quase que proverbial fazendo considerações acerca da vida e do comportamento dos indivíduos, que cuidam mais das aparências que das substâncias, ocupando-se de viver de mentiras e não de verdades. Ao refletir sobre vaidade como a grande paixão humana, o filósofo faz uma análise na qual os sentimentos se incorporam e se unem de tal forma a nós, que logo passam fazer parte de nós mesmos.

Em sua obra Reflexões sobre a Vaidade dos Homens, Matias Aires considera que a vaidade não tem limite. Firmada sobre uma aparência ilusória, o filósofo diz que “a vaidade dura mais do que nós mesmos e se introduz nos aparatos últimos da morte. Quer a maior prova disso, a construção de um elevado mausoléu. Quando no silêncio de uma urna depositam os homens, as suas memórias, para com a fé dos mármores fazerem seus nomes imortais, querem que a suntuosidade do túmulo sirva de inspirar veneração, como se fossem relíquias as suas cinzas, e que corra por conta dos jaspes a continuação do respeito. Que frívolo cuidado! Esse triste resto daquilo que foi humano, já parece um ídolo colocado em um breve, mas soberbo domicílio, que a vaidade edificou para habitação de um corpo frio, e deste declara a inscrição o nome e a grandeza. A vaidade até se estende a enriquecer de adornos o mesmo pobre horror da sepultura”.

Assim, segundo Matias Aires, “…vivemos com vaidade, e com vaidade morremos; arrancando os últimos suspiros, estamos dispondo a nossa pompa fúnebre, como se em hora tão fatal o morrer não bastasse para ocupação. Nessa hora, em que estamos para deixar o mundo, ou em que o mundo está para nos deixar, e entramos a compor e a ordenar o nosso acompanhamento funeral, e com vanglória nos pomos a antever aquela cerimônia, a que chamam as últimas honras, devendo antes chamá-la vaidades últimas. Queremos, que cada um de nós se entregue à terra com solenidade, e fausto. […] A vaidade no meio da agonia nos faz saborear a ostentação de um luxo, que nos é posterior, e nos faz sensíveis às atenções, que hão-de dirigir-se à nossa insensibilidade. Transportamos para o tempo da vida aquela vaidade, de que não podemos ser capazes depois da morte. Nisto é piedosa conosco a vaidade, porque em instantes cheios de dor e de amargura, não nos desampara, antes nas disposições de uma pompa fúnebre, dá ao nosso cuidado uma aplicação, ainda que triste, e faz com que o nosso pensamento chegue a contemplar vistosa a nossa mesma morte, e luzida a nossa mesma sombra”.

Em seguimento às palavras de Matias Aires, acrescento que em outras muitas situações há espaço na vida do ser humano, onde a vaidade pode ser danosa a si próprio, tendo, como exemplos, a pessoa que se importa muito com a própria aparência, ou que dá muita importância a futilidades, ou que expressa orgulho excessivo em relação aos seus apetites algo que pode ser capaz de conduzir a si os holofotes —, e, fundamentada no desejo de que tais qualidades sejam admiradas pelos outros, nada obstante, a pessoa acaba recebendo uma resposta menos estimulante do que esperava, com isso ela sofrer uma grande frustração, podendo ainda sofre um transtorno de personalidade, quando passa viver uma vida insuportável.

Uma vaidade como essa, tende a ofender também a vaidade alheia, uma vez que a vaidade abundante tira dos nossos olhos os defeitos próprios, e faz com que apenas vejamos em certa distância os defeitos dos outros. E dependendo da distância que estivermos podemos olhar os defeitos alheios muito maiores do que são. Portanto, a nossa vaidade nos agita sempre e é o que muitas vezes faz de nós um ser insuportável até para além da morte, isso porque acaba a nossa existência e as memórias das nossas ações, mas fica a vaidade.

Se referindo a algumas afirmações mais provocativas, Matias Aires, exalta que a vaidade não tem fim. Diferente de outras manifestações humanas, onde algumas têm um tempo certo em que começam, e em que acabam, por exemplo, as paixões que muitas vezes são incompatíveis entre si, pois para nascer uma é preciso acabar a outra. Tem outras manifestações que podem ser compatíveis e se encontrarem em uma mesma alma, por exemplo, o ódio e o amor que já nascem conosco. Outras manifestações como a liberdade, a ambição e a avareza, são ordinariamente incompatíveis e se manifestam em certo tempo e, por muitas vezes, adquirem uma maior força a cada instante que se exteriorizam.

Baseado nas premissas de Matias Aires, há situações em que contraímos a obrigação conosco de não admitirmos alívio das nossas mágoas, e, então, nos armamos de aspereza contra tudo e todos, como querendo que as coisas se posicionem ao nosso favor, sem perceber, contudo, o quanto temos de vaidade em nós. Outras vezes parecemos ser firmes às nossas dores e às nossas angústias, no intuito de inspirarmos o nosso ânimo, mas, sem embargo, o que inspiramos mesmo é pura vaidade. Isso é o que basta para podermos persistir num sentimento cada vez mais carregado de aparência ilusória.

O mesmo filósofo, sacramenta ainda que “além de ser uma loucura, é pura vaidade sacrificar a vida por eternizar o vosso nome. Isso porque mesmos dos heróis morrem o nome, e também a glória. A única diferença é que a vida dos varões ilustres compõe-se de anos, como nos demais humanos, e a vida das suas ações compõe-se de séculos; porém estes acabam, e tudo o que se encerra neles, entrando finalmente no caso do esquecimento. […] Tudo no mundo são sombras, que vêm e que passam; as mais agigantadas, duram mais tempo, mas também se extinguem do mesmo modo que aquelas que apenas tiveram de existência alguns instantes. Assim, antes de celebrarmos nossa glória ou nossa fama, coisas que mais nos inclina a vaidade, é preciso pensar que o mesmo ar, que lhe dilata o eco, lhe confunde, e apaga a voz.”

Em semelhante caso, de que vale tanta vaidade se a própria vida é uma sucessão de mortes, como bem trata o padre Antônio Vieira (1608–1697) no “sermão das exéquias”: “A adolescência é morte da puerícia, porque acabamos de ser meninos; a juventude é morte da adolescência, porque acabamos de ser moços; a idade varonil é morte da juventude, porque acabamos de ser mancebos; e assim vamos morrendo a todas as idades”. Todavia, se tudo que avulta em nós é efêmero. Então para que tamanha vaidade? Se a duração das coisas não é mais do que um instante.

*Filósofo e escritor.

** Os textos publicados nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião da FolhaBV