Sebastião Pereira do Nascimento*
— Não tenho tempo. Não tenho tempo para nada. Não tenho tempo para você. Não tenho tempo para te ouvir. Não tenho tempo para te amar. Só tenho tempo para as coisas que de sobremodo trazem vantagens para mim.
Não tenho tempo. A propósito, nem sei se ainda tem flores no jardim da minha casa. Se as árvores já deram frutos ou se o meu cachorro ainda me conhece, inclusive nem sei mais qual o seu nome.
Não tenho tempo. Não tenho tempo para férias, folgas, recessos e muito menos para ouvir coisas fúteis e supérfluas que não me interessam. Coisas que só me perturbam e não me satisfazem.
Não tenho tempo. Não tenho tempo para acompanhar você ao mercado, ao shopping, às compras, aos encontros familiares, aniversários e muito menos àquelas fatigantes tarefas domésticas.
Não tenho tempo. Não tenho tempo para brincar com meus filhos, levá-los ao parque, ao cinema, à escola ou mesmo à casa dos avós. Quer saber mesmo, às vezes nem lembro se são dois ou três…
Não tenho tempo. Sou um homem de negócios. Eu sou do mundo capitalista. Minha rotina é lidar com overnight, open-market, aplicações financeiras, investimentos e outras transações econômicas.
Não tenho tempo. Não tenho tempo de trocar ideias inúteis, discutir relações ou mesmo tratar de coisas comuns relativas à minha vida particular, pois nada disso é vantajoso para mim.
Não tenho tempo. Meu tempo é multiplicar minha fortuna. Afinal de contas, sou eu quem pago sua vida de ostentação: seus vestidos, suas joias e ainda por cima seus perfumes importados que você tanto venera.
Não tenho tempo. Não tenho tempo de assistir novelas, filmes, de ouvir músicas, nem tão pouco de assistir aos jogos do meu time. Aliás, nem sei mais o time da minha preferência.
Não tenho tempo. Não tenho tempo a perder com coisas vazias e banais. Não desperdiço meu tempo com festas de casamentos, formaturas e tantas outras coisas que só me deixam enlouquecido.
Não tenho tempo. Não tenho tempo de ouvir as histórias dos meus filhos, suas travessuras, seus sucessos, seus fracassos. Muitas vezes nem lembro das séries que estudam ou da escola que frequentam.
Não tenho tempo. Todo meu tempo é investido em ganhos financeiros para mim e meus pares. São os lucros que garantem a minha afirmação profissional e me levam ao topo dos negócios.
Não tenho tempo. Só tenho tempo para as coisas que satisfazem os meus desejos e elevam a minha conta bancária. Coisas que me deixam exaltante e garantem a bancarrota dos meus concorrentes.
Não tenho tempo. Não tenho tempo de olhar nos olhos da minha mulher. Nem lembro se são negros, verdes ou azuis. E seus cabelos, verdade seja dita, nem lembro se são pretos, loiros ou ruivos.
Não tenho tempo. Sou mesmo obstinado pelo mundo financeiro. Vivo à mercê das vantagens. Passo mais tempo em viagens, aviões, hotéis e lugares que me levam ao cume das atenções.
Não tenho tempo. Quase não vejo o tempo passar. A minha maior atenção é nas transações correntes, nos fluxos financeiros, nas balanças comerciais, nas casas de câmbio e bolsas de valores.
Não tenho tempo. Não tenho tempo, nem mesmo para um cafezinho na padaria, um papo de futebol, um jogo de cartas, uma conversa fiada ou mesmo para uma cerveja no bar com os amigos.
Não tenho tempo. É incrível como existem pessoas que de tão indolentes, não se ocupam em ganhar dinheiro. Mas, em contrapartida, não têm o que conquistei na vida: riqueza e bajulação.
Não tenho tempo. Minha satisfação é fazer com que outras pessoas esperem por mim. Sei que é apenas com a minha presença que vão alcançar seus dividendos e seus lucros financeiros.
Não tenho tempo. Todos sabem o quanto eu sou imprescindível frente ao mundo financeiro: dos investimentos às commodities. Somente eu disponho da fonte que os grandes capitalistas bebem.
Não tenho tempo. Meu único tempo é o tempo indispensável para que eu possa ganhar mais dinheiro, muito mais do que preciso. Por tudo isso, sei que sou uma pessoa indubitavelmente incomparável.
— Calma! O tempo se rebelou. Percebo agora a chance que ele me deu para repaginar a minha vida. Ainda que tarde, eu preciso me desfazer dessa máscara que oculta a minha alma humana.
Portanto, eu peço calma. Vamos conversar. Você dispõe de um tempo para mim? Eu preciso confessar algo. São coisas que eu nunca pensei em dizer para você. Mas agora quero me redimir, por favor!
Me escuta! Calma. Não é nada disso que você está pensando. Eu preciso mesmo me desfazer de tudo. Preciso muito de você. Não consigo mais conviver com essa imagem de pessoa superimportante.
Preciso me despir de toda essa fantasia. Deslaçar-me desse mundo imaginário, dessas mesquinharias que sempre me importunavam e nunca tinha coragem de me desvencilhar delas.
Sabe aquela história de homem absoluto e imprescindível era só um disfarce. Não suporto mais aqueles infortúnios de viagens, reuniões, transações, negociatas, investimentos…
Quero voltar a ser o que eu era antes. Aquilo que sempre fui, mas tinha medo de assumir. Agora eu quero ir ao cinema, à padaria, à praia, tomar um chopp, fazer coisas comuns. Coisas que todo ser descontaminado faz.
Agora vou tirar essa gravata e esse terno. Eu preciso me despir de todo esse disfarce. Tudo que fazia de mim aquele sujeito arrogante e desprezível. Não, não quero mais nada disso.
Hoje preciso assumir as minhas imperfeições e não dar vazão às minhas fantasias de antes. Agora quero tornar-me importante apenas para as pessoas que realmente são importantes para mim.
Agora necessito apenas saber dos meus filhos: suas inquietações, seus sonhos… Será que ainda me reconhecem? Quero levá-los à escola, aos lugares onde nunca fomos juntos como pai e filhos.
Preciso saber quem são suas companhias. Quero saber das suas necessidades. Saber o que os motiva, do que gostam de partilhar. Quero ouvir suas histórias, suas aventuras. Quero abraçá-los infindamente.
Só agora me dei conta de que é preciso amar para ser amado. A partir desse momento, quero mergulhar no meu mundo subjetivo. Quero me refazer e sentir as emoções das coisas simples.
E você? Fala alguma coisa. O que você tem feito? Não me deixe assim, angustiado, deprimido… Não me deixa ficar como se eu fosse realmente tudo aquilo que pensava ser.
Por favor! Aquieta a minha alma. Diz-me alguma algo, vai! Aperta-me e me faz sentir protegido. Você não percebe que estou carente… Aquela afetação de homem absoluto já não existe mais…
Quero voltar a minha realidade. Quero tirar essa fantasia que distorce a minha alma e me veste de algo que, na verdade, eu nunca fui… Essa coisa utópica que direcionava a minha escolha.
E você, por que está distante? Não me compreende? Pretendo juntar-me a você e a toda minha família. Quero juntar os cacos da minha vida e me reinventar. Quero reencontrar a felicidade.
Não quero mais fingir que sou importante, porque na realidade nunca fui nada disso. Eram os outros que me faziam sentir assim. Eram os outros que me modelavam de sujeito infalível.
Quero dizer que eu nunca fui o melhor que ninguém. Nunca fui nada além daquela fantasia de homem importante. A partir de agora deixei de me importar com quem ganha ou quem perde. Aprendi que o melhor de tudo é nos permitir.
Escuta aqui, meu amor. A partir de hoje eu decidi fazer outra coisa melhor. Não quero dormir apenas para descansar, mas também para sonhar. Agora estou me percebendo, sou apenas do meu tamanho.
Hoje deixei de ser o reflexo daquilo que nunca fui. Aprendi também que o amor não é um estado de relação, é sobretudo um estado de espírito, pois, compreendi que ele renova as nossas emoções.
Portanto, aprendi ainda que de nada vale a pessoa ter uma luz brilhante, se não iluminar incondicionalmente o caminho do outro. Não basta ser gente, não basta existir. É preciso ser permissivo e condescendente.
Agora quero dizer que eu tenho tempo. Tenho tempo para celebrar a vida, para me recompor do cansaço, para satisfazer a minha vontade. Agora sei que tenho tempo. Tenho todo tempo do mundo.
Espera! Me dê uma chance. Não me deixe aqui sozinho, por favor! Não me abandone. Eu tenho medo de recair e vestir a velha fantasia sempre. Agora eu quero ser real. Eu quero ser humano.
Do mais, quero dizer o quanto Érico Veríssimo estava certo, quanto disse que precisamos dar um sentido humano às nossas construções… Quando o amor ao dinheiro e ao sucesso nos estiver deixando cegos, que saibamos fazer pausa para olhar os lírios do campo…
FIM DE ANO. TEMPO DE REFLEXÃO!
*Filósofo, escritor e consultor ambiental. Autor de diversos livros, dentre eles “Recado aos Humanos”, publicado pela editora CRV.