OPINIÃO

Revirando gavetas, rebobinando memórias

Revirando gavetas, rebobinando memórias

Feriado, dia de revirar gavetas, atrás de coisas perdidas. Há dias procuro uma fotografia que tirei faz tempo. Desarrumei coisas, revirei pelo avesso espaços esquecidos e nada.

Achei cartas que não me lembrava mais. Envelope branco com as margens com traços verde e amarelo. Mudaram de cor, amareladas, carcomidas pelo tempo.

Faz anos que não escrevo ou recebo cartas. Sou do tempo em que se escreviam cartas começando por: “Espero que esteja tudo bem com você, por aqui vamos indo”.

A carta na gaveta era de um primo que faleceu no ano passado. Datada de maio de 1988, ele ainda jovem, fala que está fazendo faculdade, namorando uma moça de nome Monique. Queria me apresentar quando fosse a Fortaleza, onde ele estudava Monique morava. Fala entusiasticamente do futuro. Passa um filme na cabeça. Lembro de nosso último encontro, já casados, cada um com mulher e filhos. Ele partiu cedo, 59 anos. O coração parou em uma madrugada, no quarto frio de um hospital.

Reviro outra gaveta, acho fichas telefônicas, em metal, usadas em orelhões. Poucos ainda devem guardar fichas telefônicas, muitos não as conheceram. O pensamento me leva para longe, me vejo moço, com os bolsos cheios de fichas, a procura de orelhões que funcionassem para ligar para amigos e amores. Recém formado, morando em Pindaré-Mirim, interior do Maranhão, lembro de ir para a central telefônica, a única da cidade, -nome na caderneta, aguardando a vez para ligar. As ligações eram em cabines, sem nenhuma privacidade. Fácil ouvir as juras de amor ou as brigas dos que ligavam antes. Das mães ligando para filhos distantes, muitas com voz embargada. Tempos idos.

Na era dos smartphones, onde se olha na tela a pessoa do outro lado, tudo ficou muito simples e fácil. Até a saudade não é mais a mesma.

Em outra gaveta encontro uma fita cassete, vejo uma esferográfica. Lembro que ao terminar o filme, tinha que rebobinar a fita cassete com a caneta para entregar no dia seguinte na locadora, sob pena de pagar multa. Não vejo mais locadoras na minha cidade, não sei se ainda existe alguma. Tempo que para assistir um lançamento de Hollywood tinha que se entrar na fila da locadora. Tempos em que a americana Blockbuster dominava o mercado. As novas gerações não sabem de nada disso. Hoje, assistes-se filmes, e principalmente séries na palma da mãos, sentados até no aparelho sanitário.

Vejo um rolo de filmes da Kodak, empresa forte de fotografias em tempos passados. Lembro das brigas com meus filhos para não desperdiçar fotos, pois o rolo só tirava 12, 24 ou 36 poses.

Achei a fotografia que tanto procurava. Amarelada pelo tempo; nela estou um menino: cabelos fartos e negros, olhos vivos, sorrindo para a vida. A fotografia tem o dom de congelar o tempo.

O tempo? Ah! o tempo. O tempo nunca para. Às vezes corre depressa quando não queremos, as vezes é lento quando queremos que passe logo. Às vezes não reparamos que ele está passando.

Às vezes reparamos quando queremos revivê-lo. Mas uma coisa é certa, ele só anda para frente.

Importante é ter sabedoria para saber que tudo tem seu tempo.

“O tempo é resoluto, não faz soar o sino, cresce e caminha por dentro de nós, aparece como um lago profundo…..” Pablo Neruda em “Ode ao tempo”.

Ao abrir as gavetas a procura de uma velha fotografia, senti uma certa nostalgia ao me ver no passado.

Luiz Thadeu Nunes e Silva, Eng. Agrônomo, Palestrante, cronista e viajante: o latino americano mais viajado do mundo com mobilidade reduzida, visitou 151 países em todos os continentes da terra. Autor do livro “Das muletas fiz asas”.

Membro do IHGM, Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão.

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