Walber Aguiar*
Sua religião é aquilo que você faz quando o sermão acabou
S. Brown
Um dia, o diabo, bastante entediado, resolveu fundar uma igreja. Irritado com a preguiça que se estabelecera no inferno, ele criou a igreja das sete abominações. Depois disso enviou seus agentes aos quatro cantos do mundo. Queria exercer controle sobre tudo e todos.
A primeira abominação foi a soberba. Por entender que o orgulho e a vaidade endurecem o coração de indivíduos e estruturas, o diabo, astuto, disseminou na igreja a “síndrome de Lucífer”. Nesse contexto, muitos líderes encheram o peito, inflaram a alma e se tornaram caudilhos, “donos” do rebanho. Assim, passaram a negociar sua influência e seu poder político.
Outra abominação foi a inveja. Ora, devidamente ensoberbecidos, engordaram seus corações em dia de matança. Oprimiram o órfão, exploraram o pobre. Com isso a inveja, o grande mal silencioso, fez com que a comunhão rompesse e o rebanho fosse dividido. Da soberba nasceu a inveja, que por sua vez deu origem à separação. Insatisfeito, o diabo investiu pesado na quarta abominação. Tendo separado o povo de Deus, passou a acentuar as diferenças. Um não comia carne de porco, outro não usava certa roupa ou barba ou brincos e outros acessórios.
O legalismo de usos e costumes, a dogmática sem vida e o estoicismo esseniano passaram a produzir doenças na alma do povo. Adoecidos e estigmatizados pelas esquisitices religiosas, evangélicos criaram rígidos padrões de santidade, dentes de ouro, cair no riso e outras manias sem vida e graça. Mais uma abominação que deu certo, pensou o diabo.
Abençoados não por Deus, mas pela teologia da prosperidade de Keneth Hagin, pela unção financeira, pela consagração “política”, pela constantinização que se estabelecera, passaram a se dobrar diante dos homens, elegendo o tráfico de influência como norte da carreira ministerial.
Na sexta abominação lançada pelo diabo os servos de Deus viraram patrões. Passaram a viver como se a ninguém pertencessem. Já não eram sal da terra e luz do mundo. Como niilistas evangélicos, iam do nada a lugar nenhum. Sem gosto e luz passaram a ser pisados pelos homens. Sorriu o diabo, já que sua igreja estava em franca evolução e obediência.
A última cartada para a confusão evangélica que se formara foi pensar que números agradavam a Deus. Pregando o inferno e o pavor da morte, espalharam o terror em nome do Deus de toda a graça. A multidão produz irresponsabilidade, dilui a consciência, virando símbolo de status e poder político, moeda de troca em ano eleitoral. Caíram assim no vazio numérico, no ufanismo contábil. Assim, ter um grande número de evangélicos no país não significa necessariamente mudança, não implica na promoção de uma cura substancial.
Avesso ao aplauso da multidão que quer apenas o pão e o peixe, Jesus trata as pessoas individualmente. Não como massa, não como imbecilização coletiva, mas como gente, como qualquer indivíduo, um estranho ímpar.
Se de boas intenções o inferno está cheio, importa que a igreja genuinamente evangélica se torne des-intencionada. Senão, o inferno descerá sobre nós , trazendo todos os males e abominações possíveis. Se isso acontecer, já não haverá ovelhas, mas hienas evangélicas.
*Poeta, professor de filosofia, historiador, Mestre em Letras e Membro da Academia Roraimense de Letras.