Vamos falar um pouco mais sério: tudo virou brincadeira? Tenho percebido uma tendência a uma quase infantilização de temas importantes, debates, ações. Como se para fugir de responsabilidade, solução ou participação, seja melhor achincalhar bobamente na vida e em redes sociais com tiradas sem noção.
Um TikTok gigantesco parece ser o mais novo sonho de consumo, até de quem não conhece a rede das dancinhas, e porque envolve o público de todas as idades. Mas aproveitando os festejos às crianças, dia, mês, aproveito para dar uma beliscada, recordando que elas ainda podem brincar. Nós, não, e há muitos levando a vida assim, na flauta.
Um exemplo: a abstenção pavorosa nas eleições, a falta de comprometimento diante das urnas, a brincadeira de achar que um fanfarrão poderia governar uma das maiores cidades do mundo. Andei perguntando por aí – não qual foi o voto, que essa é informação absolutamente individual e secreta. Mas perguntando como foi, se foi, se pegou fila, essas coisas. Foi assim que fiquei chocada ao encontrar mais quem simplesmente não foi votar. Abstenção como forma de protesto, o que seria razoável? Não. Ouvi: “preguiça”, “fiquei dormindo”, “que coisa chata”, “era longe o local” (mas nunca pensou em mudar), “tinha de subir o morro”, “fiquei esperando minha mãe e ela só chegou à noite”. Ouvi isso junto de gargalhadas, inclusive tirando uma até dos resultados. Esses são os cidadãos que estamos criando. Nada importa. Seja o que Deus quiser.
E o pior é que todas essas respostas vieram com um “tudo bem” e pessoas que nem estão aí para qualquer justificativa, inclusive oficial. Como se fosse nada. Também, uma multa de pouco mais de 3 reais não parece assustar muito, e ninguém pensa que um dia pode precisar daquele canhotinho, de estar em dia. O futuro está lá longe, assim como para as crianças.
Não sou a favor de que a eleição seja obrigatória, mas o é. Esse é o jogo. Óbvio: não estou falando de quem já é isento, ou para quem não é obrigatório, entre 16 e 18 anos, ou a partir dos 70, embora tenha visto muitas pessoas quase se arrastando para ir às urnas, ou ainda sobre quem estava viajando. Uso o exemplo eleições por ser o mais fresco, recente. Mas isso tem se repetido em muitos outros momentos.
Enquanto exaustivas análises essa semana ficaram nesta de direita, centro, esquerda, quem apoiou quem, e se isso influenciou, minha observação é sobre a falta de compromisso social, com a sociedade, os seres cada dia mais alheios, e o que certamente explica muitos outros comportamentos, inclusive a violência. O negacionismo geral. A boiada. O surgimento de tranqueiras. Nada importa. Tudo vira folclore. Dá clique nas redes. É piada, ou engraçado. Influenciadores de qualquer coisa, seguidos, numa distopia tipo “Ensaio sobre a Cegueira”, filme de Fernando Meirelles, de 2008. E, em profusão, um assunto enterra o outro continuamente.
Soltos assim esses comportamentos já mudam o rumo de nossas histórias, de todos nós. Precisa lembrar que ser contra o sistema é outra coisa, bem diferente, mais sólida. Estratégica e intencional. Com objetivo.
Não é brinquedo não. Ninguém vai querer brincar de esconde-esconde depois, como tantos já tivemos que fazer durante anos terríveis, para fugir do pega-pega da repressão.
MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano – Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo, Capital. – Contato: [email protected]/ [email protected]