Sebastião Pereira do Nascimento*
Considerando as tendências mundiais relativas à superficialidade humana, percebe-se que no gosto da sociedade atual todo o esforço atribuído é para tratar, portanto, de pensar o ser humano moderno como uma criatura orientada para consentir passivamente o desfrute banal da beleza e do consumismo e tantas outras coisas do modismo que a pessoa acolhe no desejo de suprir sua vaidade. Não o bastante, este consentimento se amplia na medida que se oferece mais oportunidade ao indivíduo, numa nítida apologia ao sistema capitalista neoliberal. Sendo tudo isso, associado ao contentamento de prazer a todo custo, o que pode levar o indivíduo ao entorpecimento mental ou a uma disfunção patológica, representada pela sensação de apatia e indiferença por tudo e a todos à sua volta.
Para a filósofa alemã Annah Arendt, o desejo extremado pelo novo, no contexto alienante da sociedade de consumo, longe de representar uma abertura existencial para a continuada transformação das condições cotidiana da vida que corrobora para uma experiência pessoal mais criativa, significa, no entanto, a incapacidade humana de preservar sua serenidade psíquica, bombardeada por estímulos sensórios intensos.
Na mesma alinha, outro filósofo, Jean Baudrillard, considera que o modismo e o consumismo, que são indissociáveis da moda, mascaram uma inércia social profunda, onde a própria inércia é um fator de falência social, tendo em vista que, por meio das mudanças à vista, muitas vezes cíclicas, os objetos da moda (vestuários, carros, celulares, gerigonças eletrônicas, etc.), leva às pessoas ao mundo da ilusão e da desilusão, causando a grande morbidade social.
Contextualizando essa questão, Aristóteles proponha dizendo que para uma pessoa desempenhar calidamente suas vontades e seus desejos é necessária a concordância das virtudes morais, conhecidas também como virtudes cardinais: prudência, temperança, fortaleza e justiça. As quais são as principais orientadoras do juízo humano. Nesse conjunto, estão as afirmações que buscamos para infundir bons hábitos na sociedade. Pois, é em torno delas que estão inseridos todos os valores fundamentais das disposições que incidirão contra os maus hábitos e as diversas formas de transgressões resultantes da sociedade.
Portanto, na obra Ética a Nicômaco, está assimilado que é por meio dessas disposições humanas que o bom sujeito adquire a regularidade de suas práticas sociais, sendo elas alicerçadas pelas virtudes morais. As quais se convertem num conjunto de orientações que exigem do sujeito a necessidade de agir de modo adequado, no momento certo e na medida certa, em todas as circunstâncias que a vida lhe impõe cotidianamente.
Embora se tem considerado que as virtudes sejam uma qualidade moral particular de cada indivíduo, todavia, sabe-se também que ela não é de sua própria natureza, mas provinda de uma conduta remetida para cada ser humano. Por conta disso, Aristóteles assemelha as virtudes com as artes, visto que ambas são adquiridas pelo exercício contínuo e vistas como ações livres e espontâneas que, repetidas várias vezes, mantêm-se atualizadas com frequência.
No que tange as virtudes contra as falhas humanas, uma das mais abundantes falhas na atualidade — que implica na total ausência de virtude, e nela está a virtude da temperança, que modera as paixões, os impulsos e abre caminhos para a sobriedade e o desapego —, trata-se do uso exacerbado das redes sociais e de seus dispositivos portáteis: celular, smartphone, netbook, tablet, etc. Onde as pessoas se tornam reféns desses dispositivos, passando consumir conteúdos apelativos e vazios em busca de alívio para suas angústias e frustrações. Muitas vezes até partindo para causar danos a outros. Neste campo assustador das redes sociais, ninguém se torna tão mal-educado como a pessoa que dar preferência a esses dispositivos portáteis, quando seria dar atenção à realidade em sua volta. Tal comportamento mórbido, que parece levar a pessoa a odiar a outra pessoa presente, também faz com que o sujeito torna-se incapaz de compreender sua imoderação e sua vulgaridade.
Outra situação que decorre desse apego excessivo e que também dá margem para dizer o quanto as pessoas agem fora da sua realidade, está no cotidiano do trânsito, quando se observa comumente condutores ou condutoras de veículos com as mãos pregadas ao celular em lugar de segurar o volante, mesmo nas situações mais necessárias, como no ato de passar marcha, fazer manobra, etc. Portanto, nem nessas situações o indivíduo solta o aparelho celular. Uma atitude reprovável que foge da lucidez humana.
Muitas dessas pessoas sentem até uma espécie de orgulho febril ao exibir um aparelho celular na mão. E não satisfeitas, passam a cobrar de forma abusiva que outras pessoas também se lancem ao uso de tais objetos. Sendo os pretextos e as justificativas as mais evasivas e idiotas possíveis. Além de tudo, diante do modismo e do consumismo extremo, essas pessoas acham inconcebível alguém se abster dessas tralhas eletrônicas. E caso a pessoa não manifeste o desejo de possuí-las, logo é desterrado do meio social e taxado de retrógrado ou antiquado.
Assim, neste tempo de tantos desassossegos, lidar com tudo isso carece, necessariamente, de um pensar ético voltado para as virtudes morais. Onde o agir bem, com logicidade e coerência, obriga com que o sujeito seja capaz de escolher a melhor opção do ponto de vista social e moral, entre várias alternativas possíveis. É dentro desse juízo de valor que as virtudes aristotélicas podem contribuir para a ruptura dos sôfregos e intrigantes desejos da modernidade, sendo esses passíveis de serem bombardeados por estímulos reparadores da serenidade humana.
A partir disso, conforme a maneira de se posicionar diante desses valores sociais, as virtudes se anteciparão, indicando se estamos infringindo ou não os princípios e normas que orientam o comportamento humano em sociedade. Isso quer dizer que o resultado de nossos atos praticados está sujeito à sanção, ou seja, à aceitação ou à repreensão. Sendo todo esse arsenal de ideias orientado pela ética, pois é ela que regula o cumprimento das virtudes e dos nossos desejos.
Considerando a ética, o filósofo Peter Singer enfatiza dizendo que: “[…] é a ética que se dedica a questões sobre juízos morais e como devemos conduzir a nossa vida em relação a outras pessoas, pois quando adotamos uma postura moral, devemos considerar as questões do ponto de vista de todos os que serão afetados. Isto significa que temos de nos colocar imaginariamente na posição de cada pessoa, assim como na nossa, além de decidir o que fazer após dar tanto peso às preferências alheias como o que damos às nossas”.
A partir desse pressuposto de Singer, ratifico ainda que são todos esses mecanismos que fazem com que qualquer pessoa limite-se ao desempenho moral de suas ações, devendo considerar apenas os valores humanos mais profundos e responder sempre suas ações no âmbito das tendências éticas. Isso nos faz ressaltar que a virtude moral, como uma qualidade particular do ser humano, é indispensável para que ele possa reconhecer e praticar sua vontade sem excesso, em vez de praticar o extremado desejo pela neofilia.
*Filósofo, consultor ambiental e escritor. Autor dos livros “Sonhador do Absoluto” e “Recado aos Humanos” (Editora CRV). Coautor dos livros “Pandemia: Poemas, Contos e Microcontos” (Editora da UFRR) e “Vertebrados Terrestres de Roraima” (BGE).