Polícia

Mortos em massacre na PA chegam a 31, mas número pode ser maior

Apenas quatro nomes foram confirmados até ontem, os quais não foram decapitados nem esquartejados durante o massacre

Nas primeiras horas da manhã de ontem, 06, fotos e vídeos de detentos mortos, decapitados e esquartejados passaram a circular nas redes sociais e via WhatsApp. O massacre, segundo os policiais e agentes penitenciários que estavam de plantão na unidade, iniciou-se por volta das 02h, quando gritos foram ouvidos da área correspondente à cozinha e ao cadeião, na ala 05 do presídio. O governo confirmou ontem que havia 31 mortos, mas não descartou que o número pode ser ainda maior.

A esposa de um detento, Marilena dos Santos, de 35 anos, revelou que uma fonte de dentro da Pamc afirmou que aconteceram mais 40 mortes e que não se trata de uma guerra entre facções. “O problema é o mal governo. Todo mundo sabia que as mortes poderiam acontecer, mas nunca tomaram nenhuma medida para evitar. Ou, se tomaram, não adiantou nada. Isso é responsabilidade do Estado”, enfatizou.

Logo nas primeiras horas da manhã, após ficarem sabendo do fato, familiares de presos se aglomeraram nas proximidades do presídio para obter informações sobre o número exato de vítimas da chacina e para saber se os parentes estavam entre os mortos. “Ninguém dá informação sobre essa tragédia anunciada. É uma coisa muito ruim o que estamos sentindo. Falta respeito com as famílias. Por que ninguém vem tranquilizar, dar um posicionamento sobre quem de fato morreu?”, questionou uma mãe.

Um grande número de viaturas e policiais entraram na Penitenciária para retomar o controle e a ordem no local, inclusive as ações contaram com o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Polícia Federal (PF).

Ao menos três veículos pertencentes a funerárias também entraram na unidade prisional, juntamente com os “rabecões” do Instituto de Medicina Legal (IML) que fez as remoções dos corpos e restos mortais.

Bombas de efeito moral foram ouvidas durante a manhã pelas famílias que ficaram mais aflitas e pela imprensa que aguardava coletiva com informações, no entanto, os policiais informaram que eram apenas medidas para conter os presos e reestabelecer a ordem.

De acordo com um agente penitenciário, na quadra de esportes da Pamc foi escrito com o sangue dos detentos a seguinte frase “FDN [Família do Norte] e CV [Comando Vermelho] aqui não se cria [sic]”, reforçando que as mortes estão relacionadas à guerra interna para saber quem fica no poder.

O agente ainda acrescentou que alguns corpos foram tão desmembrados que ficou difícil localizar as partes para que fossem colocadas no mesmo saco cadavérico. “Os próprios presos estavam tentando “montar” os corpos, foi a coisa mais horrível que já vi”, declarou. As fotos também apresentam corpos que não foram mutilados, mas que as vísceras, incluindo o coração, foram tiradas de dentro da caixa torácica. Cabeças e restos de corpos foram amontoados no mesmo lugar em que são jogadas as marmitas vazias e sobras de comida, próximo a tambores de lixo.

Em um dos corredores da Ala 5, havia uma fila de corpos mutilados nas proximidades das portas das celas. Os corpos eram transportados, segundo um funcionário do IML, de quatro em quatro, em cada um dos veículos que faziam a remoção, tendo em vista que era a capacidade máxima. “Os primeiros oito corpos que deram entrada foram os que não estavam decapitados ou desmembrados, cuja identificação pôde ser feita de forma com maior rapidez”, disse.

IDENTIFICADOS – No começo da noite desta sexta-feira, dia 06, o governo publicou a identificação de quatro mortos: Enoque Correia Lira Filho, Edismar Henrique Duran, Alcides Pereira de Aquino e Carlos Eduardo Loreiro.

Apesar de a Divisão de Inteligência e Captura (Dicap) ter feito um levantamento de mais 22 possíveis mortos, em parceria com o Instituto de Identificação, ainda não há uma confirmação oficial e os nomes serão publicados à medida que os corpos forem identificados e liberados pelo IML para sepultamento. (J.B)

Sejuc nega que o caso seja um confronto entre facções

Em uma coletiva de imprensa, na manhã de ontem, 06, o secretário de Justiça e Cidadania, Uziel Castro, deu detalhes sobre a matança da Pamc, mas negou que se trata de um confronto entre as facções. “Isso é uma crise nacional e todos os estados estão passando por isso nesse momento. Teve por último no Amazonas uma guerra de facções”, argumentou.

Castro informou que o episódio é uma ação isolada de membros do PCC (Primeiro Comando da Capital), que atua dentro da penitenciária contra detentos que não seriam integrantes de facções criminosas. “Estamos preparados para evitar fuga. Quanto ao massacre, foi uma brutalidade, uma barbaridade desmedida, sem fundamento, porque nenhum dos que foram mortos foi identificado como pertencente a alguma organização criminosa. Eles eram neutros, então não houve confronto. Houve uma matança generalizada causada por pessoas de má índole”, frisou.

O tipo de arma utilizada para cometer os crimes, segundo o secretário, são armas artesanais, fabricadas pelos próprios presos. No entanto, um agente penitenciário declarou que os cortes praticamente cirúrgicos para separar os membros não poderiam ser feitos por material apenas perfurante, que naquelas circunstâncias somente armas cortantes poderiam ser utilizadas a fim de separar as partes dos corpos, inclusive a cabeça.

“O policiamento está sendo reforçado todos os dias. Todas as noites estão sendo encaminhados policiais militares para evitar fugas. Ontem [dia 05]  tinha reforço. Dentro das alas não tem policiamento, eles ficam presos. Toda noite é uma constante e nós nos preparamos para evitar fugas. A Penitenciária estava um silêncio total ontem e não foi detectado nenhum movimento até que eclodiu. Até chamar Polícia Militar, Bope [Batalhão de Operações Especiais], GIT [Grupo de Intervenção Tática] para entrar à noite dentro do presídio, tem que ter uma estrutura, um preparo”, frisou Uziel.

Conforme a Sejuc, quando policiais das guaritas ouviram os gritos, imediatamente o Grupo de Repressão Rápida (GRR) da Polícia Militar entrou na unidade até um determinado ponto e visualizou os criminosos e alguns mortos. “Foi uma ação muito rápida, presos recuaram e aí foi contida naquele momento, mas ainda não era a hora de entrar nas celas porque são vários blocos, várias alas com 1.500 presos, criminosos. Para conter isso, corre-se o risco de acontecer o que ocorreu no Carandiru. Não houve fuga, não houve depredamento e nem invasão de uma ala para outra”, relatou Castro.

O clima na Pamc, conforme o governo, foi controlado, os presos estão isolados e não existe tensão, nem mesmo qualquer indício de que aconteçam rebeliões. “Até esse evento estava uma tranquilidade que estava causando tremor na gente. Não é que fomos pegos de surpresa. Todo mundo estava tomando cuidados para que houvesse rebeliões e fugas. Somente uma barbaridade entre presos de uma mesma organização criminosa e entre presos que não tinha nenhuma ligação criminosa”.

Para finalizar, Uziel Castro observou que se o Ministério da Justiça tivesse aceitado o pedido para intervir no Sistema Penitenciário do Estado, seria mais difícil que as mortes tivessem ocorrido. (J.B)

Sindape afirma que mortes poderiam ter sido evitadas

O presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários de Roraima (Sindape/RR), Lindomar Sobrinho, em entrevista à Folha na tarde de ontem, dia 06, afirmou que desde janeiro de 2015 notifica ao governo estadual sobre a situação do sistema penitenciário, denominando que os presídios brasileiros são “barris de pólvora” e “tragédia anunciada”.

“A segurança do sistema prisional está numa pirâmide basilar, formada pela estrutura, um prédio seguro nos moldes determinados nacional e internacionalmente, com malha de aço, placas de concreto, servidor efetivo e equipamento. Se uma dessas três formas não tiver bem, a pirâmide vai desabar. Roraima está com problemas de efetivo, problemas de armamento e problemas estruturais”, explicou.

Ele afirmou que por conta das falhas na segurança já esperavam que as mortes acontecessem. “Nós, enquanto profissionais, sabíamos que cedo ou tarde isso iria estourar. Porque é uma briga constante de poder. A massa carcerária só cresce na PA. Quando a gente entrou eram 700, hoje são 1.500, ou seja, mais que dobrou. Muito acima da capacidade. Fora isso, não temos separação por regime, por presos de alta periculosidade, por presos de menor periculosidade, então o estado não consegue fazer isso porque não tem estrutura”, ressaltou o presidente do Sindape.

Como também é membro da Federação Nacional dos Agentes Penitenciários (Febrasp), Sobrinho relatou que a mesma tragédia vai acontecer em outros estados, mas que em Roraima, os presidiários anunciam que pode acontecer uma chacina maior.

“Eles dizem que vai acontecer coisa de filme, que isso não foi nada. Eles mesmos estão dizendo. Eu quero que pontuem isso: Em Rio Branco [AC] morreram 27, hoje é modelo com a Penitenciária Urso Branco. Em Roraima morreram 31. O que o governo vai fazer agora? Não vai ter um presídio modelo? Lá tem dois mil agentes penitenciários com uma população um pouco maior que a de Roraima. Nós, com quase 600 mil habitantes, temos apenas  282 agentes. É inaceitável. Não podemos mais conviver com isso. O governo tem que ter coragem para fazer um concurso e tomar providência. Quem está pagando são os familiares dos presos e os cidadãos de bem e empresários que estão sendo assaltos aqui fora, por causa das fugas”, salientou Lindomar.

O Sindape reforçou que se não fosse a intervenção dos poucos agentes de segurança, o massacre poderia ser pior. “Agiram com poucas munições, com o pouco armamento que tinham no plantão, foram para cima, meteram tiro mesmo e cessaram a matança que poderia ter sido muito maior. Não puderam fazer a entrada durante a noite porque ninguém entra em presídio à noite, a não ser que tenha um efetivo muito grande, sem contar que é humanamente impossível fazer um acionamento de toda a polícia na madrugada. Então foi feito o acionamento nas primeiras horas da manhã e os policiais fizeram um grupo de entrada para retomar o presídio”, destacou.  

Na noite de ontem, o Sindape confirmou que o número de agentes penitenciários não passava de nove, armados com pouca munição, por isso há uma dificuldade em fazer a contenção dos presos. “O número pode ser maior, mas pode ser menor porque estavam desmontados os corpos. Tenho um vídeo de outros presos tentando juntar as partes para poder ensacar. Dessa vez não consegui ficar dentro. Muita coisa feia, de filme de terror. O medo dos agentes é constante porque não temos efetivo e armas suficientes, somos alvo em potencial dentro e fora do presídio”, informou o presidente. (J.B)

Em três meses, PCC já matou 44 detentos na penitenciária

Desde que as facções criminosas do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV) passaram a compartilhar a mesma unidade prisional do Estado, as mortes de detentos em Roraima aumentaram assustadoramente. Em um documento oficial do governo enviado para o Ministério da Justiça, no mês de novembro do ano passado, há um relato do número de mortes e pelos cálculos, o PCC já matou cerca de 44 presos na Penitenciária Agrícola de Roraima nos últimos três meses.

As primeiras mortes aconteceram dia 16 de outubro de 2016, quando 10 presos pertencentes à facção CV, foram decapitados e carbonizados depois de um confronto interno. O governo separou indivíduos que se intitulavam CV do presídio, mas no dia 22 de outubro, o detento Frank Ferreira de Brito foi morto e esquartejado na Ala 14.

No dia 15 de novembro, foi a vez do preso Tony Carvalho Nery ser morto pelo mesmo modo cruel, na mesma ala. E no dia 21 de novembro, foi localizado, no interior da Pamc, o corpo decapitado do detento Jeferson Articlinio, que estava dentro de um tambor que servia como lixeira, totalizando 13 mortos na unidade prisional, executados pela facção PCC até o final do ano.

Em 2017, a contabilização aumentou com a chacina ocorrida nesta sexta-feira, 06, onde 31 detentos foram assassinados de forma cruel.

FUGAS – Além dos mortos, o sistema prisional também contabilizou duas fugas, uma de quatro presos ocorrida no dia 9 de novembro e outra três dias depois (12), onde 10 presos se evadiram.

No dia 16 de novembro, os integrantes da facção assassinaram covardemente o policial militar Arnaldo Sena, com três tiros na nuca, que se encontrava dentro de sua residência no bairro Santa Tereza, zona Oeste da Capital. O PM não teve possibilidade de defesa. (J.B)