Três acusados pelos crimes de tráfico de pessoas e redução de pessoa a condição análoga à de escravo (artigo 149 do Código Penal) foram condenados em 1º grau pela Justiça Federal no Ceará (JFCE). O juiz federal Fabricio de Lima Borges, da 16ª Vara da JFCE, determinou a prisão dos três acusados.
A ação penal, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) em outubro de 2018, denunciou os réus por uma venezuelana em cárcere privado e sujeitá-la a condições degradantes de trabalho.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), os denunciados agenciaram e transportaram a venezuelana de Boa Vista, em Roraima, para a cidade de Russas, no Ceará, e posteriormente ao município de Juazeiro do Norte, também no Ceará.
A vítima, que teve o nome preservado nesta reportagem, era mantida em cárcere privado e em condições degradantes de trabalho.
Diante da crise migratória na Venezuela, a mulher migrou para o Brasil, de forma legal, em busca de melhores condições, em maio de 2018. Inicialmente, ela passou um período nas cidades de Pacaraima e Boa Vista e teria sido acolhida pela Ong Trabalhar para Recomeçar.
A ré, a professora E.M.O, teria contratado a jovem para prestar serviços domésticos na cidade de Russas, no Ceará, e a remuneração seria de R$ 954 (salário mensal), mas a venezuelana teria desempenhado atividades sem receber nenhuma remuneração por duas semanas e sem ter a sua carteira de trabalho assinada. Após esse período, ela foi enviada para Juazeiro do Norte, onde prestaria serviços na casa de outra mulher, também denunciada pelo MPF.
Em seu novo trabalho, ela também não tinha direito ao descanso nem à assinatura da carteira de trabalho e não recebeu remuneração pelo serviço prestado. O horário de trabalho tinha início às 6h e ela não conseguia se alimentar pela manhã. Seus documentos ficaram retidos durante o período de cárcere.
O terceiro acusado levou a vítima a uma chácara para ela trabalhar no campo, todos os dias.
“Ao entrar no terreno da chácara, o portão era trancado para que não saísse. Passava todo o dia limpando o terreno. Não tinha acesso ao interior da casa da chácara, que permanecia trancada. Como não tinha direito ao café da manhã, para não ficar com fome alimentava-se de mangas existentes na chácara. Somente o almoço era-lhe fornecido e entregue”, diz trecho da sentença do MPF.
A rotina permaneceu por cerca de três meses, período no qual nunca chegou a receber qualquer contrapartida a título de remuneração em dinheiro (ou qualquer outra forma, além da precária alimentação). Suas roupas originais estão dentro de sacolas, também guardados pelos “patrões”.
Em um momento em que esteve sozinha, ela procurou os seus documentos, que estavam retidos com os donos da casa, e conseguiu fugir. Ao escapar, ela foi ao Ministério Público do Estado do Ceará, em Juazeiro do Norte, e contou toda a história.
Em sua sentença, o juiz concluiu que as rés aliciaram a cidadã venezuelana e a transportaram com o objetivo de reduzi-la à condição análoga à de escravo, uma vez que “eles não só cercearam a sua liberdade de locomoção como a submeteram a trabalhos forçados, à jornada exaustiva e a condições degradantes de trabalho”, considerou o magistrado.
Desta forma, condenou uma das rés à pena de reclusão em regime fechado por nove anos e quatro meses, e a outra a dez anos de reclusão em regime fechado, bem como decretou a perda dos dois cargos públicos de professora ocupados pela acusada. O terceiro envolvido foi condenado à pena de quatro anos e seis meses em regime semiaberto. Contra a decisão, ainda cabe recurso.