Política

Construção esbarra na questão jurídica, diz especialista

Decreto editado por Bolsonaro, que estabelece a obra como estratégica para a soberania e desenvolvimento nacional, serviria mais para facilitar ações de órgãos do Poder Executivo

LEO DAUBERMANN

Em entrevista ao programa Agenda da Semana desse domingo, 03, na Rádio Folha FM 100.3 o pesquisador e professor universitário Edson Damas, disse que a construção do Linhão de Tucuruí precisa enfrentar a questão jurídica. “O decreto não pode intervir nas decisões judiciais, nem em deliberações do Congresso Nacional e muito menos na atuação do Ministério Público”, disse.

De acordo com o especialista, o decreto editado pelo presidente Jair Bolsonaro, que estabelece o Linhão de Tucuruí como obra estratégica para a soberania e desenvolvimento nacional, serviria mais para facilitar ações de órgãos do Poder Executivo.

“É muito relevante e importante esse decreto, mas em nenhum lugar da Constituição tá escrito que ele revoga direitos e garantias individuais e fundamentais. Vejo esse decreto muito mais produzindo efeitos imediatos internos, o presidente sinalizando que essa é uma questão prioritária para ele”, ressaltou.

Entre os efeitos imediatos citados por Damas estaria a celeridade na liberação do processo de licenciamento ambiental, além da dispensa de licitação na hora de contratar profissionais para realizar estudos na área e também justificar a alocação de recursos para a realização dos estudos.

Segundo o especialista não é possível realizar qualquer obra, seja ela em área indígena ou não, sem realizar estudos ambientais, o que demanda tempo e uma quantidade grande de técnicos especializados, devido à extensão da área.

“É preciso fazer um estudo, mesmo básico, que é PBA (Projeto Básico Ambiental), com levantamento do acervo ambiental, qual o tamanho da área que vai ser desflorestada, os impactos na vegetação, se vai passar por algum igarapé ou não. São estudos extremamente complexos, pautados por técnicas ambientais, florestais, biológicas, numa área extensa, é muito trabalho de campo”, destacou Damas.

OITIVA COM INDÍGENAS – Para Edson Damas antes da obra do Linhão de Tucuruí passar pela reserva dos Waimiri-Atroari, o Governo Federal precisa realizar uma oitiva com o povo indígena, nos moldes da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), já que o projeto prevê a instalação de centenas de torres dentro da terra indígena. A Justiça Federal já determinou, inclusive, a realização dessa consulta prévia.

“Ouço dizer que os índios não querem o Linhão de Tucuruí. Qual deles? Que liderança? Tenho ido a convite deles [lideranças indígenas] à reserva e nunca ouvi nenhum deles dizer que é contrário a essa obra. O que eles querem, simplesmente, é serem ouvidos, como diz a Convenção 169, que não foi redigida e nem aderida por eles, mas por nós, estado brasileiro”, disse.

Ainda de acordo com Damas, há uma “ausência, omissão e letargia” do Governo Federal. “Até hoje não foi feito o Plano Básico Ambiental, apesar dos indígenas não terem negado acesso à reserva Waimiri-Atroari”, completou.

DECISÃO JUDICIAL – A construção do Linhão de Tucuruí já foi objeto de decisão judicial. O Ministério Público Federal do Amazonas ajuizou uma ação civil pública e a Justiça Federal concedeu liminar suspendendo a licença prévia expedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para as obras da linha de transmissão de energia elétrica entre Manaus e Boa Vista.

A União recorreu à decisão ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) para caçar a liminar e o TRF1 negou o pedido de suspensão, dizendo que é preciso realizar a consulta prévia aos Waimiri-Atroari. “Já existe uma decisão judicial, essa decisão já foi questionada e confirmada pelo Tribunal dizendo que é preciso fazer uma oitiva. Esse decreto do presidente [Bolsonaro] não tem força suficiente para revogar uma decisão judicial”, destacou Damas.