Política

Estudo na Uerj propõe melhorias para encarar onda migratória em Roraima

Pesquisador avalia que governo federal atual parece ainda não ter se dado conta da gravidade da situação migratória no Estado

Um trabalho de campo do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Direito Internacional (Nepedi) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) analisou os efeitos recentes da migração da Venezuela para cidades vizinhas em Roraima. O relatório do levantamento, produzido em parceria com a Universidade Federal de Roraima (UFRR), foi encaminhado aos Ministérios da Justiça e Segurança Pública e dos Direitos Humanos e da Cidadania.

Segundo o coordenador do Nepedi, Raphael Carvalho de Vasconcelos, a pesquisa é um alerta sobre a emergência humanitária ocasionada pelo fluxo migratório permanente na fronteira. “Os apontamentos têm por finalidade mostrar, às autoridades brasileiras e à sociedade civil de maneira geral, as necessidades que decorrem da movimentação de pessoas naquela região do País – sinalizando tratar-se de uma calamidade paralela e coexistente à crise Yanomami que não pode ser relativizada ou deslocada a plano secundário”, afirma Vasconcelos.

Os dados sobre a chegada desses estrangeiros ao Brasil foram coletados dos dias 29 de janeiro a 4 de fevereiro, nas cidades de Pacaraima, Cantá e Boa Vista, em Roraima, e em Santa Elena de Uairén, na Venezuela. Foram ouvidas autoridades brasileiras, agentes humanitários, membros da sociedade civil, funcionários de organizações internacionais, migrantes e solicitantes de refúgio.

Com base nessas informações, o relatório sugere uma série de ações para uma acolhida mais apropriada, tendo em vista a indicação de políticas públicas alinhadas ao direito internacional com ênfase nos direitos humanos.

Dentre as ações propostas, há necessidades emergenciais referentes à partilha de dados entre autoridades brasileiras e venezuelanas no que se refere, por exemplo, a antecedentes criminais ou mesmo sobre vacinação das pessoas. O estudo apresenta ainda um alerta sobre as condições de acolhimento de grupos indígenas que chegam do País vizinho.

Trabalho de campo intenso

Ao longo da semana em campo, a equipe buscou informações também junto a outras entidades, como organizações não-governamentais. Os pesquisadores visitaram a sede da prefeitura de Santa Elena de Uairén, na Venezuela, e quando retornaram a Boa Vista, ainda conheceram comunidades e abrigos onde se concentram indígenas das etnias Warao e Kariña, vindos da Venezuela. Sem contar o registro de relatos informais de civis, migrantes e tantas outras pessoas que têm suas vidas afetadas em meio ao fluxo migratório.

O trabalho possibilitou um levantamento bem diverso de dados e a produção do relatório com as sugestões para mitigar a crise. Raphael Vasconcelos afirma que “o maior desafio é não enviesar a pesquisa de campo. Quando conversamos com pessoas e representantes de entidades muito distintas, escutamos diversas versões de uma mesma história”. Com isso, ele afirma, a amostragem conseguiu refletir bem a realidade.

No relatório, por exemplo, há uma constatação delicada relativa a indígenas que vêm sendo interiorizados ou acolhidos de maneira uniforme. Vasconcelos, que percebeu o fato casualmente durante o trabalho, destaca que “os indígenas não devem receber o mesmo tratamento das outras pessoas. Eles precisariam ser inquiridos se sabem o que significa se separar de sua comunidade”.

Um dos doutorandos do curso, Esron Messias Vieira Martins acrescenta que “a ideia de tratar os migrantes de forma igualitária acaba por promover, eventualmente, algumas violações do Direito Internacional”. O relatório recomenda, assim, uma interrupção cautelar da prática diante da possibilidade de suspeita de etnocídio.

Os pesquisadores também ressaltam que as autoridades precisam dedicar um cuidado especial relativo às populações mais vulneráveis. Além dos indígenas, estariam nesse grupo os menores de idade – que frequentemente adentram o País sem qualquer responsável legal –, as mulheres grávidas e até mesmo animais domésticos abandonados nas travessias.

Para Raphael Vasconcelos, o governo federal atual parece ainda não ter se dado conta da gravidade da situação migratória em Roraima. Por isso, ele cobra melhor planejamento e coleta de dados mais adequada para que, afinal, políticas públicas possam ser aprimoradas: “É preciso saber quantas crianças, quantas mulheres, quantos homens, qual é a classe social dessas pessoas. Não é possível fazer política pública sem dados”.

A pesquisa sobre a crise migratória em Roraima permitiu a formulação de 14 recomendações encaminhadas a órgãos governamentais na expectativa de que “a universidade possa fazer extensão de verdade, ter impacto social”, defende Vasconcelos.