O Brasil utilizou um banco russo para pagar o regime do ditador Nicolás Maduro pela energia utilizada em Roraima, estado dependente da eletricidade do país vizinho desde 2001.Trata-se de uma triangulação financeira adotada pela Eletronorte para retomar os pagamentos à estatal venezuelana Corpoelec e garantir que não seja interrompido o abastecimento elétrico de Roraima, único estado não conectado ao SIN (Sistema Interligado Nacional).
Os pagamentos estavam bloqueados em razão de sanções aplicadas pelos EUA, que dificultam operações bancárias com a Venezuela. A dívida acumulada pela Eletronorte pelo fornecimento de eletricidade a Roraima chegou a US$ 40 milhões.
Um documento que circula na equipe econômica, obtido pela Folha, revela que o Brasil lançou mão da rota financeira alternativa, fazendo as remessas passarem por uma instituição financeira russa. A Rússia é uma das potências que mantém apoio a Maduro.A triangulação da operação foi confirmada ainda por duas pessoas do governo que acompanham o tema.
Esses interlocutores afirmam que um primeiro depósito foi feito em dezembro, no valor de cerca de US$ 1 milhão. A quantia foi paga a título de reparação de avarias na linha de transmissão, mas o objetivo do governo era também verificar se a rota era exitosa para transferências futuras Tampouco informaram se houve depósitos nos meses subsequentes, após a posse do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
Uma das pessoas ouvidas disse que, com a retomada do fluxo de pagamentos, a dívida do Brasil com a Venezuela foi reduzida, com perspectivas reais de quitá-la.Houve ainda uma outra mudança para facilitar o envio do dinheiro à Venezuela. O contrato inicial previa pagamento em dólar, mas a nova rota financeira prevê a conversão da dívida para euros.
Desde que chegou ao poder, Bolsonaro rompeu o diálogo com o regime chavista. Além de afirmar que Maduro é um mandatário ilegítimo, o brasileiro reconheceu o líder opositor Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela.
Apesar do discurso, pessoas que acompanham o assunto afirmam que a questão precisa ser analisada fora do conflito político, uma vez que está em jogo a segurança energética de um estado.
A Folha perguntou à Eletronorte e ao Itamaraty qual banco russo está intermediando os pagamentos e quanto já foi efetivamente transferido, mas nenhum dos dois respondeu.
“A Eletronorte e a Corpoelec continuam adotando as tratativas para viabilizar os pagamentos das faturas da energia elétrica suprida, conforme estabelecido no contrato”, disse a estatal, em nota.
“Trata-se de operação comercial entre duas empresas. A vendedora [Venezuela] indicou conta para pagamento da energia consumida. Não há envolvimento da Embaixada do Brasil em Moscou”, afirmou o Itamaraty.
Caracas adotou uma estratégia semelhante para receber recursos provenientes de exportação de petróleo, segundo a agência Reuters: a petroleira estatal PDVSA pediu aos clientes que paguem seus compromissos numa conta no banco russo Gazprombank.
Com isso, a Venezuela tentam fugir do cerco financeiro estabelecido pelos EUA, permitindo a entrada no país de moedas fortes (dólar e euro).
Brasília chegou a discutiu solucionar o débito com a Venezuela a partir de um encontro de contas com a dívida de US$ 795 milhões que Caracas contraiu com o Brasil para financiar linhas de exportação.Mas a área técnica do governo avaliou que, com a triangulação financeira, o melhor seria prosseguir com os pagamentos à Corpoelec.
*INFORMAÇÕES: Jornal Folha de São Paulo.