Política

Justiça Federal rejeita ‘extinção’ de Pacaraima e Uiramutã

Ação original da Fundação Nacional do Índio corre desde 1995, alegando suposta inconstitucionalidade nas leis estaduais que criaram municípios

A possibilidade de “extinção” de Pacaraima e Uiramutã foi negada conforme recente decisão do juiz Helder Girão Barreto, da 1ª Vara da Justiça Federal em Roraima. A medida visava à retomada das terras indígenas de São Marcos e Raposa Serra do Sol, situadas nos municípios, para as comunidades das etnias Macuxi, Wapixana, Ingarikó e Taurepang.

O magistrado julgou na quarta-feira, 30, improcedente a ação proposta pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e a União contra o governo do Estado e os municípios, defendendo a suposta inconstitucionalidade na constituição das leis estaduais 96 e 98, de 17/10/1995, que criaram as cidades de Pacaraima e Uiramutã.

O entendimento do magistrado é que a Constituição Federal de 1988 não autoriza nem permite “que o índio seja integrado – como pretendem o Estado e os municípios -, e muito menos mantido isolado – como pretendem a Funai, a União e o próprio Ministério Público Federal, porque ambas as posições têm como premissa a incapacidade do indígena”.

O juiz ressaltou ainda que não acredita em impedimento constitucional para a criação de municípios em terra indígena “pela mesma razão que inexiste impedimento constitucional para a criação de terra indígena em município” e citou a garantia dos direitos das comunidades, conforme determina a ação de demarcação fixada pelo STF.

Barreto também condenou a Funai e a União a pagarem honorários periciais e advocatícios de 10% do valor atribuído à causa, em favor do Estado e dos municípios.

Ação original da Funai é de 1995

A ação possessória original, ajuizada pela Funai contra o Estado em 6 de novembro de 1995, cita que a Terra Indígena de São Marcos foi reconhecida oficialmente pelo Decreto Administrativo de Homologação nº 312, de 29 de outubro de 1993, e que a Terra Indígena Raposa Serra do Sol foi reconhecida oficialmente pelo Decreto Delimitatório nº 09, de 18 de maio de 1993.

A Funai defende que as consultas com os povos indígenas realizadas na época ocorreram sem autorização do órgão e “têm resultados questionáveis”, já que foi favorável ao governo do Estado, que sancionou as leis de criação dos municípios 48 horas depois, “institucionalizando as sedes municipais nos corações das terras indígenas”.

A liminar possessória foi deferida e suspensa pelo então desembargador federal Olindo Menezes. Na ocasião, o Estado respondeu que as sedes dos municípios já existiam desde a época do Território Federal de Roraima, inclusive, com as vilas mantendo órgãos de administração local.

Os autos foram remetidos ao Supremo Tribunal Federal (STF) e dois anos depois, em 1998, foram devolvidos à primeira instância. Na ocasião, o governo federal respondeu que a ação fosse julgada procedente para reintegração de posse, mas também, reintegrando a autoridade da União na posse das terras.

Quando questionado, o Ministério Público Federal (MPF) afirmou que não era contrário à criação de municípios, somente da instalação de sua base física e demais propriedades “com o intuito de descaracterizar a área como se fosse indígena”.

O órgão entendeu como procedente o pedido da União no sentido de que fosse convertida a ação de interdito possessório em reintegração de posse, com base no princípio da fungibilidade, e também, no da economia processual.

Municípios pediram exclusão das sedes na demarcação de terras indígenas

Acionados, os municípios de Pacaraima e Uiramutã contestaram as alegações do governo federal, declarando que as terras do perímetro eram consideradas de nível municipal.

Os municípios citaram ainda que a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, ainda em grau de recurso, não incluiu a sede do município de Uiramutã e as regiões urbanas das vilas e outras propriedades privadas. Pacaraima frisou também que o mesmo processo, de exclusão da sede do município, poderia ser adotado para a criação da Terra Indígena São Marcos.

A Funai apresentou alegações finais sustentadas por laudo antropológico ressaltando que somente ficou excluído da TI São Marcos as áreas de terra destinadas à instalação de pelotão do Exército. O Estado contestou o laudo do órgão.

Os municípios de Pacaraima e Uiramutã apresentaram alegação final dizendo que a criação das cidades só foi possível graças a uma consulta pública realizada com a população índia e não índia “tendo sido elaborada por representantes eleitos do Estado”. Em seguida, decisão determinou o retorno dos autos ao STF.

Ao retornar à primeira instância, a União e o MPF apresentaram alegações finais. O órgão inclusive solicitou realização de audiência de conciliação designada para 10 de outubro do ano passado, para que fossem norteadas novas possibilidades mediante a passagem do tempo e a instauração efetiva dos municípios, porém a tentativa de reconciliação foi frustrada.

OUTRO LADO – Sobre a decisão, a Folha entrou em contato com os órgãos envolvidos para obter o posicionamento de cada um deles. Em nota, o MPF-RR informou que ainda não foi oficialmente comunicado da decisão, mas que quando isso ocorresse iria analisar os termos da Justiça Federal para definir quais medidas poderá tomar.

A Folha também entrou em contato com o governo do Estado e a Fundação Nacional do Índio, porém não recebeu retorno até o fechamento da matéria. (P.C.)