Problemas no sistema circulatório e respiratório aparecem como algumas das principais causas de morte de crianças indígenas. Nos últimos quatro anos, ao menos 3.019 morreram no Brasil — 4% do total de nascidos vivos (76,6mil). Somente no ano passado, foram 591. Agressões físicas recorrentemente também é um dos motivos de óbitos, que ocorrem generalizadamente pelo país.
No Brasil, existem aproximadamente 890 mil indígenas segundo dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 — último ano que os dados foram compilados.
As informações sobre a morte de crianças entre 0 e 5 anos foram levantadas pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) — organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil — junto ao Ministério da Saúde pela Lei de Acesso à Informação (LAI).
Apesar do índice elevado de mortes, revelado pelo levantamento, a mortalidade do ano passado foi a menor registrada no recorte da pesquisa. Em 2015, foram 776 mortes. Em 2016, 842. No ano seguinte, uma pequena queda: 810. Por fim, em 2018 foram 591. Ainda não há dados sobre o ano em curso.
O povo indígena Yanomami do Amazonas e de Roraima (foto em destaque), por exemplo, tiveram 425 crianças mortas no período. No Amazonas, o pico ocorreu em 2017, quando 55 crianças menores de cinco anos perderam a vida. Em Roraima, em 2016, com 70. As principais causas, de acordo com o levantamento, são agressões, desnutrição e distúrbios metabólicos.
Os Xavantes tiveram um pouco menos de mortes no mesmo recorte de tempo: 300. Mais uma vez 2016 figura como o pico de óbitos (86). Lá, contudo, as causas dos falecimentos foram mal definidas ou dadas como desconhecidas. O único apontamento concreto foi “problemas no sistema respiratório ou circulatório”.
A situação se repete com outros povos e se espalham pelo país: Acre, Amazonas, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Roraima, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe, São Paulo e Tocantins registraram casos.
De acordo com o manual de instruções para o preenchimento de declaração de óbito, o código R98 (morte sem assistência médica do capítulo XVIII da CID-10) indica que o falecimento ocorreu sem a presença de um médico. Na Saúde Indígena, segundo o governo, ainda são frequentemente registrados óbitos sem assistência médica.
“Isso é explicável pelas suas condições de ocorrência, pelas escalas dos profissionais médicos e ainda pela grande dificuldade de fixação de médicos”, destacou o Ministério da Saúde, em resposta à LAI.
A pasta garante que as Divisões de Atenção à Saúde Indígena (DIASI) e as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena fazem a assistência médica aos povos.
Atraso nos dados
Pela lei, o Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) e o Sistema Nacional de Nascidos Vivos (SINASC) estabelece o prazo de até 30 de dezembro do ano subsequente ao ano de ocorrência para divulgação, em caráter definitivo, dos dados de nascimento e óbito.
“Pode-se notar uma demora no registro de dados no sistema de informação de aproximadamente dois anos nos valores, uma vez que o processo de qualificação dos dados é complexo e demorado, o que ocasiona uma subnotificação das informações de saúde”, explicou a pasta, no comunicado.
Mesmo após revelar os números, o governo não produziu um índice para o volume de mortes, como ocorre em geral com esse tipo de acontecimento.
“Para a Taxa de Mortalidade Infantil de crianças de 0 a 5 anos de idade, optou-se por manter os valores absolutos e não aplicar os cálculos das taxas, considerando o baixo número de eventos, o tamanho populacional por distrito e para permitir uma melhor comparação com os dados fornecidos anteriormente”. finalizou.
Críticas
Os dados estão sendo usados como argumento para cobrar mais atenção aos povos indígenas durante evento simultâneo ao Sínodo da Amazônia, na Cidade do Vaticano. Pesquisadores do relatório anual Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil citam os dados.
“Há, também, a inaceitável condição de centenas de comunidades indígenas que vivem sem terra, nas margens de rodovias ou acampadas em diminutas parcelas de terras estaduais ou municipais, em áreas degradadas e contaminadas pela poluição ou por agrotóxicos”, escreveram Roberto Liebgott e Lúcia Rangel, organizadores da publicação.
Por fim, eles criticam: “Setores econômicos pressionaram as autoridades para que as terras indígenas fossem disponibilizadas aos vorazes anseios de lucratividade de um mercado predador”, dispararam.
Versão oficial
Em nota ao Metrópoles, o Ministério da Saúde explicou que tem intensificado, por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena, a vigilância do óbito em todos os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI).
“O objetivo é promover a redução da mortalidade materno-infantil. Assim, a partir do reforço das ações de investigação de óbitos em áreas indígenas, em especial de crianças menores de cinco anos, da sistematização dos registros relacionados aos óbitos, entre outras estratégias, as informações relativas à mortalidade materno-infantil estão cada vez mais qualificadas”, informou o texto.
Segundo a pasta, no caso da mortalidade de crianças indígenas menores de um ano, as principais causas estão relacionadas a doenças respiratórias, afecções perinatais e doenças infecciosas. Entre 2012 e 2018, foram capacitados 2.287 profissionais para identificar e agir diante de sinais de perigo para saúde na infância.
O texto finaliza. “O treinamento faz parte da estratégia de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (Aidpi), elaborada pela organização Mundial de Saúde (OMS) com o objetivo de reduzir a mortalidade em menores de cinco anos”, ponderou.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) não comentou o assunto. “A Funai atua como parceira da Secretaria Especial de Saúde Indígena, que é a executora das políticas de saúde indígena do Ministério da Saúde”, resumiu, em nota.
*Com informações: Metrópoles