Migrantes relatam atendimento reduzido em posto de triagem após corte de verbas na ONU

Suspensão de serviços da OIM impactou emissão de documentos e acesso a direitos básicos para venezuelanos em Roraima.

Migrantes relatam atendimento reduzido em posto de triagem após corte de verbas na ONU

A suspensão dos serviços da Organização Internacional para as Migrações (OIM) em Roraima e no Amazonas, anunciada na segunda-feira (27), reduziu a assistência a migrantes venezuelanos que buscam regularização no Brasil. A medida foi tomada após o governo dos Estados Unidos, sob gestão de Donald Trump, cortar parte do financiamento destinado à agência da ONU, afetando ações humanitárias no país.

A OIM oferecia serviços essenciais, como regularização migratória e encaminhamento para atendimentos de saúde. Além disso, prestava orientação a pessoas em situação de vulnerabilidade, especialmente no combate à exploração laboral e à violência de gênero. Com a suspensão, migrantes enfrentam dificuldades no acesso a esses serviços disponibilizados no Posto de Triagem (PTRIG) em Boa Vista, no bairro 13 de Setembro.

“Está funcionando, mas com menos atendimento. Eles davam mais senhas antes, agora estão dando poucas”, relata uma venezuelana que preferiu não se identificar. “Para quem já estava aqui, eles atendem normal. Quem tá chegando agora não consegue mais por conta desse problema”, completou outra migrante, reforçando que a situação afeta principalmente quem acaba de chegar ao Brasil.

Banho e alimentação

O projeto está em desenvolvimento desde 2019, através de ações de WASH – acesso a água, saneamento e higiene ligadas na prevenção contra a Covid-19. (Foto: Divulgação/Caritas Brasileira)

Além da OIM, as instalações sanitárias da Cáritas Brasileira, que ofereciam serviços emergenciais tanto na capital, quanto no município de fronteira Pacaraima, foram suspensos por 90 dias. Com isso, diversas pessoas em situação de vulnerabilidade perderam acesso a banheiros, chuveiros e água potável.

“Em atividade desde o ano de 2019, o projeto Orinoco oferta serviços gratuitos de água, saneamento e higiene à população em situação migratória nas cidades de Boa Vista e de Pacaraima, e comunidade brasileira em situação de vulnerabilidade econômica e social. […] Além do projeto de WASH, a Cáritas Brasileira também desenvolve em Roraima um projeto emergencial de segurança alimentar e combate à fome. Em atuação desde agosto de 2022 no Posto de Recepção e Apoio da Operação Acolhida, em Boa Vista, o projeto Sumaúma: Nutrindo Vidas oferece duas refeições nutritivas diárias: café da manhã e almoço, de segunda à sexta-feira, para pessoas em situação de extrema vulnerabilidade, a maioria delas em situação de rua”, descreve nota da Cáritas.

Os projetos emergenciais executados pela Cáritas em Roraima são 100% financiados com recursos do
governo dos Estados Unidos. Conforme a instituição, o custo anual é de R$4 milhões para o projeto WASH e R$7,5 milhões para o projeto de alimentação.

Um impacto na assistência humanitária

Migrantes venezuelanos em situação de rua em frente à Rodoviária Internacional de Boa Vista (Foto: Wenderson Cabral/FolhaBV)

Em Boa Vista, em dezembro de 2024, o Posto de Recepção e Acolhimento (PRA) da Operação Acolhida, que oferece pernoite e serviços de dignidade (água, alimentação e higiene), atendeu 274 pessoas, a maioria homens. Já em situação de rua, foram registrados 172 migrantes venezuelanos entre Pacaraima e Boa Vista, números abaixo da média devido ao retorno para a Venezuela no final do ano.

Desde 2018, a entrada de venezuelanos por Pacaraima superou as saídas em 75,4 mil pessoas. Em 2024, houve 48.847 solicitações de refúgio e residência, sendo 71,6% para residência (35.002). No total, 681.355 pessoas entraram no Brasil por Pacaraima, com um saldo de quase 576 mil entradas.

Com um fluxo contínuo e predominante de venezuelanos por Roraima, que é uma das principais rotas de fuga dessa população, um especialista, ouvido pela Folha, explica que as suspensões, principalmente do distrito sanitário, podem agravar as condições humanitárias dos migrantes, aumentar os desafios para o estado e comprometer os esforços de acolhimento e integração desses grupos.

“Sem assistência humanitária adequada, o risco de disseminação de COVID-19, por exemplo, aumenta, especialmente em áreas com grande concentração de migrantes. A falta de kits de higiene agrava as condições de vulnerabilidade, afetando principalmente mulheres e crianças. As ONGs locais podem sobrecarregar com a falta de recursos, o que intensifica a exclusão social e dificulta o acesso ao trabalho e à educação. Isso também enfraquece a política migratória do Brasil e compromete suas parcerias internacionais”, destacou.

Apoio do governo brasileiro

Devido a medida dos Estados Unidos, o governo brasileiro decidiu financiar emergencialmente a Operação Acolhida, destinada ao acolhimento de imigrantes venezuelanos. Segundo o Ministério da Casa Civil, junto a representantes de outras pastas ministeriais, a continuidade da operação foi discutida na última segunda-feira (27) e a realocação de servidores seria feita para garantir a gestão de abrigos, assistência em saúde e regularização migratória.

A Operação Acolhida foi procurada pela reportagem sobre a ajuda emergencial, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.