O ministro de Minas e Energia (MME), Bento Albuquerque, deve vir a Roraima na próxima sexta-feira, 29, para anunciar de forma oficial o projeto e o início da obra do Linhão de Tucuruí, que liga o Estado ao sistema nacional de energia elétrica.
A informação foi repassada pelo governador Antonio Denarium (PSL) durante coletiva de imprensa na manhã de sexta-feira, 22, no Palácio Senador Hélio Campos, que tratava sobre a assinatura de um protocolo de informações com o Banco da Amazônia (Basa). Conforme o governador, a população de Roraima já pode considerar o Linhão de Tucuruí uma realidade.
“O Linhão de Tucuruí agora é uma realidade. Temos o compromisso com o presidente Jair Bolsonaro de estar em Brasília na semana que vem para tratar do assunto e de recebermos em Boa Vista, na semana que vem, o ministro de Minas e Energia”, afirmou.
No fim do mês passado, o governo federal anunciou que pretende publicar um decreto para viabilizar a construção da linha de transmissão que passa pelas terras indígenas, com ou sem a concordância dos Waimiri-Atroari. O linhão foi classificado como de “interesse da política de defesa nacional” e “alternativa energética de cunho estratégico” numa reunião do Conselho de Defesa Nacional (CDN), em 27 de fevereiro. Trata-se do primeiro passo para a publicação do decreto.
Indígenas Waimiri-Atroari dizem não ser responsáveis por atraso na obra
Em entrevista ao Instituto Socioambiental (ISA), organização da sociedade civil que atua diretamente em favor da causa indígena e ambiental, lideranças indígenas Waimiri-Atroari reforçaram que não são responsáveis pelo atraso de obra entre Roraima e Amazonas e que governo tem se recusado a dialogar com comunidades.
A consulta prévia às comunidades indígenas sobre qualquer medida que afete suas terras está prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil.
Segundo os indígenas, na entrevista repercutida pela agência, apesar do governo afirmar que o impacto ambiental sobre a terra indígena seria mínimo, pelo fato do linhão acompanhar o eixo da BR-174, os Waimiri- Atroari dizem que será necessária a implantação de 250 torres de transmissão, ao longo de 125 quilômetros dentro da área. Cada torre terá uma base de quase 50 por 50 metros, devendo manter uma distância de segurança da estrada, além de acessos permanentes para manutenção, com o que a obra e o desmatamento exigido irão muito além da faixa de domínio da rodovia.
“A energia seria levada de Manaus a Boa Vista, mas o projeto não prevê o suprimento de eletricidade para os índios e para outras comunidades da região”, adverte Márcio Santilli, sócio-fundador do ISA.
“O benefício seria inegável para a população de Roraima, mas os índios ficariam com os impactos sem ter qualquer contrapartida, o que, obviamente, requer compensações”, completa.
Marcelo Euepi Atroari, um dos líderes da comunidade, reforça que os índios exigem apenas as compensações devidas pelos impactos da implantação do linhão e que seja respeitado seu direito à consulta.
“O governo mesmo não fala da compensação. Só quer passar a linha”, adverte. Ele lembra que o desmatamento exigido pelo empreendimento – ainda não devidamente estimado pelo governo – pode afetar áreas que são fonte de caça, frutas, material de construção e matérias-primas.
Marcelo Atroari assegura que os índios nunca impediram a implantação do projeto e que o responsável por ele não ter saído do papel ainda é o governo, que se nega a dialogar com as comunidades, e os técnicos, incapazes de realizar estudos e levantamentos consistentes.
“Nós não somos contra o linhão. Queremos estudar juntos, para que não fique ruim para o índio, o branco, o governo. Temos de ter uma parceria para que o resultado seja positivo para nosso lado”, completa Tuwdja Atroari. Ele ressalta que os indígenas elaboraram um protocolo de consulta há mais de um ano e que a comunidade exige que ele seja respeitado. Acompanhados de Mário Parwé Atroari, os dois estiveram em Brasília nesta semana e foram à Procuradoria-Geral da República e à Câmara, buscando apoio para a luta em defesa de seus direitos. O MPF considera o parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) inconstitucional e já pediu o sua revogação.
“O governo declarar que a obra é de interesse da segurança nacional, para mim, isso aumenta o rigor do cumprimento da lei, da Constituição e da Convenção 169 da OIT. E não o diminui. O governo deve se empenhar ainda mais em respeitar o direito indígena porque é um caso de segurança nacional”, argumenta o procurador da República Antônio Carlos Bigonha.
A procuradora-geral de República, Raquel Dodge, comprometeu-se a enviar um ofício ao governo reforçando a necessidade da consulta.
Julgamento acontece semana que vem
Na próxima quarta-feira, 27, o Tribunal Federal da 1ª Região, em Brasília, vai decidir sobre o recurso da União contra uma sentença de 2016 que anulou o leilão e a licença prévia do linhão. A sentença está suspensa por outra decisão do STF, mas, em todo caso, sua confirmação pela Justiça Federal, na questão de mérito, reforçaria a necessidade da oitiva às comunidades.
A resolução do CDN baseia-se no Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU). A norma reproduz o acórdão da decisão do STF sobre o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), de 2009.
“O usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional; a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico, a critério dos órgãos competentes [Ministério da Defesa e Conselho de Defesa Nacional], serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à Funai”, afirma uma das condicionantes da decisão de 2009.
“O STF já decidiu várias vezes que as condicionantes do julgamento sobre a TI Raposa Serra do Sol não se aplicam automaticamente a outros casos”, afirma Juliana de Paula Batista, advogada do ISA. “O interesse nacional não pode estar divorciado da garantia da sobrevivência física e cultural dos índios e dos seus direitos fundamentais”, reforça.