Política

MP investiga servidores da Assembleia acusados de fraudar licitações públicas

Operação investiga licitações direcionadas para empresas de familiares de servidores que trabalham no setor administrativo e licitatório da ALE

“Vocês estão vendo algo parecido nacionalmente acontecendo e, não tenham duvida, será replicado. É preciso que se tenha algo melhor no Estado, um olhar diferenciado no combate à corrupção e estamos tentando fazer um trabalho nesse sentido, com zelo, cuidado e técnica”. Com essas palavras, o promotor Marco Antônio Azeredo encerrou a coletiva à imprensa no final da tarde de ontem, no Ministério Público do Estado de Roraima (MPRR), sobre a Operação Cartas Marcadas, executada pela manhã na sede do Legislativo estadual.

Coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), Azeredo explicou como funcionou o trabalho do MPRR para desarticular o suposto esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro implantado por funcionários da Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR). “Eles tinham uma contabilidade exata de como desviar recurso público. Vamos nos empenhar para que esse dinheiro desviado seja devolvido aos cofres públicos”, afirmou.

O promotor confirmou que a investigação durou seis meses e foi feita de maneira discreta. “Recebemos de forma anônima documentos que apontavam desvio de recursos por meio de licitações direcionadas para empresas de familiares de servidores públicos que trabalham no setor administrativo e licitatório”, explicou o promotor.

Devido à quantidade de material apreendido, a operação ainda seguirá com a investigação por mais tempo. “Estamos coletando uma enormidade gigantesca de material. Vamos fazer um trabalho de perícia profundo em CPUs [computadores], celulares, pen drives e processos licitatórios que foram apreendidos”, destacou.

Sobre a participação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no cumprimento dos mandados, o promotor informou que é usual o acompanhamento nos demais estados. “Esperamos que seja recorrente. Essa operação foi planejada à exaustão por nossos colegas. Todos os cuidados e zelos foram observados e todos os direitos dos investigados zelados, pois assim é a atuação do Ministério Público”.

MP descarta envolvimento de políticos

Questionado sobre o possível envolvimento de parlamentares no suposto esquema na Assembleia Legislativa, o promotor Marco Antônio Azeredo  descartou essa possibilidade. “O fato é o desvio de recursos públicos por meio de licitações. Se o fato redundar em participação de parlamentar mais adiante, será remetido a quem de direito”, frisou.

Ele explicou que, até o momento, não existem esses indícios. Mas, devido à grande apreensão de material arrecadado ontem, a operação passará por nova fase. “Se nesse material arrecadado tiver participação de pessoas com foro privilegiado, será repassado a quem de direito. Investigamos fatos, e não pessoas. Se elas aparecerem com eventuais ligações aos desvios, certamente o Ministério Público dará a resposta necessária”, disse.

“Estamos fazendo análise do material coletados e, se for surgindo a participação de outras pessoas, elas serão investigadas”, complementou Azeredo. “Eu só digo com certeza e segurança. Na medida em que houver necessidade, a prova com participação de seja quem for, o encaminhamento necessário será feito”.

Frentista que ganhava salário mínimo vira proprietário de empresa milionária

Os detidos na Operação Cartas Marcadas são acusados de irregularidades em processos licitatórios que envolveram pelo menos seis contratos públicos, que totalizam mais de R$ 8 milhões de reais. Esse suposto esquema teria começado a ocorrer em fevereiro de 2013 na Assembleia Legislativa, mas os valores só foram contabilizados até o mês passado, conforme explicou o promotor Marco Antônio Azeredo.

Um dos exemplos citados pelo Ministério Público foi o do frentista de posto de combustível que, dois meses após ser demitido, virou sócio administrador de uma empresa com capital de R$ 1,5 milhão e, em seguida, venceu licitação na ordem de R$ 8 milhões.

O suposto esquema funcionaria, conforme o MP, como linha de montagem nas licitações. “Escolhiam os vencedores e depois iam atrás de documentos para justificar o processo licitatório. Em regra, o vencedor tinha relação de parentesco direto com os servidores públicos da Assembleia. O material coletado vai comprovar isso que já sabíamos por conta das escutas e corroborar futuras operações”, destacou Azeredo.

O MP também explicou que os envolvidos chegaram a sacar, em espécie, da conta do setor público, valores que chegavam a R$ 1,2 milhão em um mês. “De fato, existem outras empresas fictícias em nome de parentes dessas pessoas e vamos investigar. Formalmente, a empresa vencedora da licitação, em regra, era sempre comandada por ‘laranjas’, mas de fato administrada por familiares de servidores. Teve uma empresa que o ‘laranja’ que comandava depositou, nos últimos quatro anos, mais de R$ 600 mil na conta de uma das servidoras, que movimentou, em quatro anos, mais de R$ 4 milhões em sua conta”, disse.

Nove foram presos durante operação

Foram expedidas 45 ordens judiciais na Operação Cartas Marcadas, sendo 11 de prisão preventiva, 23 de busca e apreensão, além de 11 de condução coercitiva pela juíza da Vara de Crimes de Tráfico de Drogas, Daniela Schirato Collesi Minholi. Do total de presos, quatro são mulheres.

Também foram deferidos, pela Justiça, a quebra de sigilo bancários, fiscal e telefônicos e o sequestro de bens móveis e imóveis dos investigados, além de outras medidas cautelares, como o bloqueio das contas dos investigados.

O suposto esquema envolve diretamente três servidores públicos da Assembleia Legislativa.

“Nove pessoas foram presas, na verdade dez, pois uma está na UTI do HGR com uma enfermidade séria, mas será justificada para a magistrada. A 11ª, que estava viajando para Manaus, afirmou que se entrega hoje à Justiça. O MP tem plena segurança e certeza na prova produzida, por isso, respeitando a sociedade boa-vistense e respeitando o princípio da publicidade, pediu que fosse levantado o sigilo de todas as cautelares que tramitam em juízo”, destacou o promotor Azeredo.

“O processo não corre mais em segredo de justiça, pois a sociedade precisa participar, pois é quem sofre as mazelas do desvio de dinheiro público”, complementou o promotor.

Ação apreendeu R$ 400 mil em dinheiro e duas armas

No final da tarde de ontem, o Ministério Público concluiu a contabilização de R$ 400 mil em espécie apreendidos durante a operação na casa dos envolvidos. “O dinheiro estava escondido na residência dessas pessoas que eram donas de fato dessas empresas e tinham ligação direta com servidores públicos do Legislativo roraimense”, frisou o promotor.

Também foram apreendidas duas armas de fogo, uma com a numeração adulterada, veículos, cheques e cartões escondidos na residência dos envolvidos.