Os venezuelanos foram às urnas no domingo, 6, para escolher a nova composição do Parlamento nacional. Como já previam as pesquisas eleitorais realizadas antes da votação, a oposição obteve vitória esmagadora sobre o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSVU), do presidente Nicolás Maduro, conquistando maioria parlamentar pela primeira vez em 16 anos, desde que o ex-presidente Hugo Chávez foi eleito no país.
Com 97% das urnas apuradas até o final da tarde de ontem, a Mesa da Unidade Democrática (MUD), formada pela oposição, havia tomado o controle do Parlamento da Venezuela com a eleição de pelo menos 99 de 176 deputados. O governo, por outro lado, conquistou apenas 46 cadeiras, sendo que 19 ainda estão indefinidas.
De acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), caso a oposição conquiste ao menos mais dois assentos, terá a maioria qualificada no Congresso, que permite destituir vice-presidente e ministros, além de sancionar leis habilitantes.
Caso supere 110 assentos, os oposicionistas poderão aprovar e alterar leis orgânicas, destituir juízes do supremo, designar reitores do órgão eleitoral e aprovar reforma constitucional. Conforme o CNE, 74,25% dos venezuelanos votaram, número que superou as projeções.
Cientista político afirma que haverá embate político maior na Venezuela
A Folha ouviu o cientista político, filósofo e sociólogo Paulo Racoski, para avaliar o que muda, a partir de agora, com a derrota do Governo venezuelano nas urnas e o fim da hegemonia chavista no país vizinho. Para ele, haverá um embate político maior, não apenas nos bastidores, mas também na sociedade civil.
“Será uma política mais às claras, conforme a demanda que há na Assembleia e se desdobra pelo espaço social e na vida civil, decorrente das desigualdades sociais e materiais que não foram sanadas, além da falta de indústria de base, sistema de produção de alimentos e tecnologia venezuelana”, disse.
Totalmente dependente da indústria do petróleo, o especialista explicou que o modelo político venezuelano, que obtinha uma série de vantagens em vários setores, foi perdendo espaço, o que culminou no crescimento da centro-direita. “Não vai haver um agravamento, mas sim a possibilidade de o próprio governo fazer um realinhamento de propostas e organizar as perspectivas e interesses regionais”, avaliou.
Conforme ele, a grave recessão econômica que dificulta o acesso a bens e consumo de material básico na Venezuela mudou a perspectiva social da população local. “Não vou dizer que a ideologia bolivariana está em franca decadência, mas isso fez com que gerasse uma perda de aliados e um prejuízo para o caráter ideológico que tinha como base o pensamento chavista”, explicou.
Racoski afirmou que a derrota do governo venezuelano nas eleições evidenciou a “tendência” da população latino-americana a se posicionar em outra ideologia.
“Estamos observando um posicionamento mais à direita nos últimos cinco ou seis anos devido à crise econômica global. E a democracia é isso: se a população não ver uma instabilidade econômica social, vai querer mudar o modelo ideológico”.
Apesar disso, o cientista político destacou que a mudança no caráter ideológico não pode garantir transformação na vida pessoal dos venezuelanos. “Quando a pessoa não tem uma grande leitura da situação, não consegue compreender o fenômeno global, sempre acha que o problema é apenas no próprio país, mas o pensamento global não é mais hegemônico, e sim múltiplo”, disse.
Ele exemplificou quais serão as principais mudanças no país vizinho com a oposição como maioria no Parlamento. “O sistema eleitoral sendo de direita vai gerar um diálogo mais aberto com o sistema produtivo, podendo atrair capital internacional ao investimento venezuelano. Mas o que a Venezuela precisa mesmo é de um forte investimento no sistema de base, como produção agrícola, agropecuária e industrial. Se não fizer isso, vai continuar dependente do petróleo e não vai superar as mazelas econômicas do país”, afirmou.
Segundo Racoski, a oposição precisa agora atrair investidores e desenvolver as áreas de ciência e tecnologia para criar novas alternativas de sustento. “Caso contrário, as próximas eleições podem ter um retorno às perspectivas do bolivarianismo, porque o país é muito dependente do petróleo. Há de se repensar o projeto de país, senão encontrarão muitas dificuldades e quem perde é a população”, analisou.
Sobre a possibilidade de as eleições parlamentares terem dado um sinal de fim do regime chavista na Venezuela, considerado por muitos como ditatorial e antidemocrático, o especialista ponderou que o governo terá de pôr à prova a aplicação de sua teoria ideológica. “Não poderia afirmar que é o fim (do chavismo).
O que temos que pensar é o que o século 21 exige para os venezuelanos e o que os venezuelanos exigem do Estado. Quando não há colaboração com pleno desenvolvimento econômico e social que dê ordem à qualidade de vida da população, o povo clama por mudanças”, pontuou. (L.G.C)