A Polícia Federal deflagrou ontem, 4, a Operação Tântalo, para desarticular organização suspeita de irregularidades no uso de recursos públicos de merenda escolar, no âmbito do Programa Mais Educação entre os anos de 2016 e 2018.
Ao todo, foram expedidos pela juíza Maria Luzia Farias, da 4ª Vara da Justiça Federal em Roraima, cinco mandados de prisão preventiva e sete de busca e apreensão. A Justiça Federal concedeu ainda a quebra do sigilo bancário e fiscal dos envolvidos. A ação contou com o apoio do Ministério Público Federal (MPF).
O Inquérito Policial foi instaurado em setembro de 2018 e, segundo informações prestadas pela Polícia Federal, com poucos meses já foi possível apurar irregularidades que ocorriam no fornecimento de alimentos para merendas das escolas no estado de Roraima.
Somente de março a novembro de 2018, o Estado de Roraima recebeu mais de R$ 5,7 milhões do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e, desse total, ainda não se tem mensurado quanto poderia ter sido usado para outros fins. Apenas algumas das notas fiscais apreendidas na manhã de ontem, 4, em nome das empresas Mograbi e Oliveira e Fribom, firmados entre 2016 e 2018, equivaliam a quase R$ 1 milhão de carne comprada para a merenda, sendo que várias vezes desse ano foi noticiado pela Folha a ausência desse tipo de alimento na merenda escolar. Somente uma das notas equivalia a um pagamento no valor de R$ 500 mil e a outra era de mais de R$ 300 mil.
O nome da operação veio de Tântalo, personagem da mitologia grega que nunca conseguia alcançar comida e água mesmo vivendo cercado de abundância.
Entenda como funcionava o esquema
O esquema investigado já estaria em andamento no início de 2016 e contava com o falso atesto de recebimento de produtos adquiridos pelo Estado.
Desta forma, a empresa responsável pelo fornecimento dos alimentos fazia a entrega parcial dos produtos faturados ou os substituíam por produtos mais baratos, recebendo o atesto de recebimento integral dado pelos servidores integrantes do grupo.
Depoimentos relatam que, no início, a empresa deixava de entregar por volta de 30% dos produtos faturados, mas nos últimos meses a situação se agravou a ponto de não se entregar produto algum, o que foi constatado, inclusive, in loco pela equipe de investigação da Polícia Federal.
Diligências policiais realizadas em várias escolas indicam que há meses não é fornecida proteína alguma para os alunos. Em alguns casos, os policiais constataram que os funcionários das escolas realizavam compras, com recursos próprios, para tentar melhorar a alimentação das crianças, como ossos para incrementar o feijão, o qual foi encontrado vencido em várias escolas.
Investigados estão na Cadeia Pública e no CPC
Dois investigados foram encaminhados para quartel da PM (Foto: Divulgação)
Os investigados foram submetidos a exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML) e encaminhados para a Cadeia Pública Masculina de Boa Vista (CPMBV), no bairro São Vicente. O local não teve condições de receber todos os presos e dois foram transferidos para o Comando do Policiamento da Capital da Polícia Militar, onde já se encontram presos os investigados na operação Escuridão, que apura uso indevido de recursos do sistema prisional.
Os investigados são o ex-secretário adjunto da Educação e atual adjunto da Secretaria Extraordinária de Gabinete Institucional (Segabi), Shiská Pereira Pires; Thiago Lima Martinez (diretor de departamento); Carlos Ribeiro da Silva (motorista); todos ligados ao departamento de merenda escolar da Secretaria de Educação. Maria Gabriela Campelo da Silva (chefe de área) teve autorizada a prisão domiciliar. O quinto envolvido, o empresário Walter Mograbi Pinto Junior, ainda não tinha sido encontrado pela Polícia Federal até o fechamento dessa matéria.
OUTRO LADO – O advogado de Shiská Pereira informou que só vai se manifestar após tomar conhecimento do teor das investigações. A reportagem da Folha não conseguiu contato com a defesa dos outros presos nem do empresário que ainda está foragido.
Folha denunciou em setembro problemas na merenda escolar
No mês de setembro, uma extensa reportagem feita pela Folha denunciou que recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE) e do Salário Educação, todos oriundos do Fundo de Desenvolvimento da Educação (FNDE), vinham sendo usados indevidamente.
Entre as denúncias estavam favorecimento de empresas que recebiam fora da ordem cronológica além de uso de recursos para repasse do duodécimo. Conforme os empresários denunciantes contaram à reportagem, não houve nenhuma movimentação para que os valores federais usados pelo governo fossem devolvidos.
Governo diz que problemas atuais não estão vinculados à investigação
O Governo do Estado informou que o atual desabastecimento da merenda escolar não tem relação com a Operação Tântalo, deflagrada pela Polícia Federal, e que vai contribuir com as investigações.
Por meio de nota, o Governo esclareceu que a previsão orçamentária da merenda escolar para este ano é de R$ 12,1 milhões, enquanto que o recurso do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é de R$ 7,1 milhões. “O recurso é insuficiente para atender a demanda e o Estado é obrigado a complementar com recursos próprios”, completou.
Ainda segundo o Governo, a dificuldade no fornecimento da merenda acontece hoje em decorrência das dificuldades financeiras que o Estado enfrenta e os sucessivos bloqueios judiciais para pagamentos de duodécimo aos demais poderes.
A nota ressaltou ainda que na gestão anterior a merenda era terceirizada e fornecida em caixas térmicas. Isso gerou muita reclamação e denúncia de entrega de comida estragada. Como solução, o Estado decidiu optar pela regionalização da merenda fornecida às unidades de ensino.
“O governo atual efetivou a Lei 979/2014, que instituiu o Programa de Regionalização da Merenda Escolar. As cozinhas das escolas foram revitalizadas para produzirem a merenda dos alunos, tendo maior participação da Associação de Pais e Mestres (APM). Com a regionalização, a quantidade de itens alimentícios aumentou, incluindo frutas, legumes e paçoca”, salientou.
O Governo encerrou destacando que, além de melhorar qualidade da merenda, tornando-a mais saudável, a regionalização contribuiu para o fomento da agricultura familiar que ganhou espaço para fornecer itens para a merenda da Rede Estadual de Ensino.