Política

Produtores rurais protestam contra criação de nova área de proteção

Governo do Estado diz que já existe proposta para que Parque Nacional do Lavrado seja criado na Terra Indígena São Marcos

Cerca de 80 produtores rurais da região do Tucano e da Serra da Lua, ambas no Município de Bonfim, Leste do Estado, se reuniram na manhã de ontem, com o secretário estadual de Planejamento e Desenvolvimento de Roraima, Alexandre Henklain, e a prefeita de Bonfim, Lisete Spies (PR), para protestar contra a criação de mais uma área de proteção ambiental, desta vez o Parque Nacional do Lavrado, numa área de mais de 300 mil hectares pretendida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A reunião aconteceu no auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Eles também estiveram com a governadora Suely Campos (PP), à tarde, no Palácio Senador Hélio Campos.

O presidente da Associação dos Arrozeiros de Roraima, Agenor Facchio, disse que uma carta assinada pelos produtores será entregue à governadora. Ele lembrou que os arrozeiros já foram expulsos da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e ressaltou que a criação do parque é um dos itens exigidos para a transferência da União para o Estado, mas os produtores defendem que as áreas produtivas do Estado não comportam mais outra unidade de conservação.

“Temos hoje seis mil hectares de arroz irrigado na região do Tucano e já formos expulsos da Raposa Serra do Sol ha seis anos. Será que vamos ser expulsos de novo?”, questionou. “Isso nos preocupa muito e vamos levar uma carta para a governadora do Estado, Suely Campos, pedindo que tome posição criando esse parque na área indígena e nos deixe produzir em paz”, frisou.

Presente ao encontro, o maior produtor de tambaqui do Brasil, Aniceto Wanderley, disse que os produtores de Roraima não aceitam mais a criação de unidades de conservação em áreas produtiva do Estado. “Se quiserem criar áreas de conservação, que criem dentro das áreas indígenas ou em terras da União”, disse. “Temos uma área muito pequena para produzir no Estado e, se perdermos mais essa área de lavrado, vamos ficar numa situação mais difícil ainda. O Estado não tem mais como a máquina pública absolver essa mão de obra do mercado de trabalho, por isso não se pode inviabilizar o setor produtivo”.

Ele ressaltou que o encontro de ontem foi uma abertura de discussão com os produtores para mostrar o grau de insatisfação com a possibilidade de criação do Parque Nacional do Lavrado. “Vamos levar essa proposta ao Governo do Estado e ao ICMBio, dizendo não à criação de unidade de conservação nas áreas produtivas do Estado e que seja criada nas áreas indígenas”, frisou.

GOVERNO – Na reunião na parte da tarde, a governadora Suely Campos afirmou aos produtores que o Estado não concorda com a criação dessa reserva na Serra da Lua e na Serra do Tucano, e que apresentou a contraproposta de criar o parque na reserva indígena São Marcos, para que esta área tenha dupla afetação, trazendo inclusive benefícios para os indígenas, que vão poder explorar o turismo na região que abrange pontos turísticos como a Pedra Pintada. “Estamos caminhando com responsabilidade para regularizar a questão fundiária em nosso Estado. Chegou um momento em que não é possível mais sacrificar nosso Estado”, defendeu.

O presidente do Instituto de Terras de Roraima (Iteraima), Alysson Macedo, explicou que essa contraproposta foi apresentada na primeira reunião em que Roraima participou da Câmara Técnica de Destinação e Regularização de Terras Públicas Federais na Amazônia Legal – grupo responsável pela conciliação entre os envolvidos na transferência de terras.

“Essa região possui ecossistema adequado à criação do parque, além dos atrativos turísticos da região – na Pedra Pintada há a questão arqueológica e nos campos do Maruai há os cavalos selvagens. Além disso, a criação do Parque no local significaria incremento de renda para a população indígena”, frisou, ao observar que a comunidade está sendo consultada sobre a proposta.

A criação do parque em área já afetada por demarcação é pautada em um amplo estudo técnico desenvolvido pelos órgãos do governo, considerando ainda que a Serra da Lua e a Serra do Tucano estão efetivamente ocupadas por produtores rurais. No Tucano, por exemplo, há lavouras de arroz irrigado, para onde migraram os arrozeiros que foram desintrusados da terra indígena Raposa Serra do Sol. “Essa proposta será reforçada na segunda reunião que Roraima participará da Câmara Técnica, em Brasília, realizada no próximo dia 14 de julho”, disse Suely Campos.

O secretário estadual de Planejamento, Alexandre Henklein, que juntamente com o presidente do Iteraima participou da reunião em Brasília, ressalta que já avançou na discussão sobre a consolidação da transferência das terras da União para Roraima e que a única pendência em relação à criação e ampliação das unidades de conservação foi a questão do Parque Nacional do Lavrado. “Temos a convicção da vitória, pois apresentamos nossa proposta com argumentos técnicos consistentes”, ressalta.

O presidente da Associação de Moradores e Produtores Rurais da Serra da Lua, Gilmar Horta Tomé, diz ter ficado satisfeito com a reunião. “Só estamos sendo penalizados a cada ano, queremos ficar tranquilos para produzir e trabalhar. Agora percebo que temos uma equipe governamental trabalhando e aliada conosco. Percebo que dá para trabalhar e resolver a situação”.

Prefeita do Bonfim afirma ser contra criação do parque em seu município

A prefeita de Bonfim, Lisete Spies (PR), disse que o movimento dos produtores contra a criação do Parque Nacional do Lavrado em terras produtivas do Estado ganhou força depois que souberam que técnicos do ICMBio  estariam em Roraima, nesta segunda-feira, sobrevoando a área pretendida  para fazer reconhecimento das áreas de Serra da Lua e Tucano. “Convidamos os produtores e o secretário estadual para que se manifestem quanto a esse processo. Enquanto prefeita de Bonfim, eu me manifesto contra a implantação dessa unidade de conservação”, frisou.

Segundo Lisete, a região pretendida é uma das mais produtivas do Estado, onde vivem aproximadamente 200 famílias com produção de arroz, soja e agricultura familiar, enquanto que na Serra da Lua tem a produção agropecuária como base econômica. Ela explicou que, além da área pretendida, existe a chamada área de amortecimento com 10 quilômetros de extensão circundando o parque. “Isso dificulta mais ainda, pois estes dez quilômetros de faixa também não podem ser utilizados e praticamente inviabiliza o setor produtivo de Bonfim e do Estado”, frisou.

Outro ponto destacado pela prefeita é quanto ao prejuízo que a demarcação desse parque causaria às comunidades indígenas próximas à Serra da Lua. “A região é formada por várias comunidades indígenas que serão afetadas com a criação desse parque, porque a região de amortecimento vai atingir as comunidades de Taboca, Jacamim, Moscou e Alto Arraia”, disse. “A partir de quando o parque for implantado, estas comunidades terão que pedir autorização para fazer qualquer tipo de investimento”. (R.R.)
       

Para deputado, Roraima não tem que ceder mais terras

O deputado Coronel Chagas (PRTB), vice-presidente da Assembleia Legislativa do Estado (ALE), membro da Comissão Especial que foi criada para acompanhar esse processo, e integrante da diretoria do Parlamento Amazônico, disse que os produtores se sentem prejudicados mais uma vez, caso o projeto do ICMBio venha a ser concretizado no Estado, com a criação do Parque Nacional do Lavrado.  

“Nosso entendimento, que é o mesmo da Assembleia e dos produtores rurais, é de que não há de se ceder nem mais um hectare do que restou da área territorial para produção do Estado para criação de parques ecológicos ou de terras indígenas. Que faça o parque em terras indígenas, na reserva São Marcos e parte da Raposa Serra do Sol, onde existe até cavalos selvagens”, frisou.

Ele informou que hoje as terras indígenas demarcadas no Estado correspondem a 46% da área territorial de Roraima. Disse que tem informações de que a Fundação Nacional do Índio (Funai) pretende criar mais três terras indígenas no Estado e ampliação de algumas já existentes.

“Já temos cinco parques e estações ecológicas criadas em Roraima, o que representa mais de 12% do território. E se formos somar isso às terras indígenas e às áreas de preservação ambiental do Estado, áreas pertencentes ainda à União e das áreas das Forças Armadas, juntando com as áreas montanhosas e alagadiças, sobram apenas 12% de todo Estado para a produção agrícola. E ainda querem construir um Parque do Lavrado”, frisou.

Ele ressaltou a limitação ambiental que impõem que apenas 20% da terra possa ser utilizada pelo produtor. “Quem tem 100 hectares só pode abrir 20 hectares para fazer o cultivo ou pasto para o gado”, disse. “Desta forma, da análise que fizemos, 97% das terras do Estado estão comprometidos com questões ambientais ou indígenas. Isso tem implicação muito forte no resultado final do setor produtivo. A vocação de Roraima é agrícola e estão inviabilizando o setor produtivo de Roraima”.

O deputado federal Abel Galinha (PTD), também produtor rural na região pretendida pelo ICMBio, disse que a classe produtiva aproveitou a visita, ao Estado, do primeiro vice-presidente da Câmara Federal, Waldir Maranhão, para que viesse ouvir os produtores da região da Serra da Lua, onde o ICMBio pretende criar o Parque Nacional do Lavrado.

A ideia, segundo ele, é mostrar a realidade produtiva do Estado para o vice-presidente da Câmara. “Não podemos aceitar e nem concordar, de forma alguma, com mais nenhuma demarcação no Estado. E falo não só como político, mas como parte da classe produtiva de Roraima”, frisou.

Como político, Abel Galinha afirmou que toda a bancada federal de Roraima está atenta e acompanhando a situação. “Tanto os senadores quanto os deputados federais estão unidos para que isso não aconteça, pois acredito que o Estado não suporta mais nenhum tipo de demarcação”, disse. “Se o Governo federal quer criar mais uma área de preservação, que crie nas áreas indígenas, onde elas já estão”.

Até as 11h30, quando a equipe de reportagem esteve presente, o deputado federal Waldir Maranhão ainda era aguardado no local. (R.R)