CPI DAS TERRAS

Série de denúncias de grilagem são relatadas por moradores do Sul de Roraima

Denúncias foram feitas durante a primeira reunião da Comissão na Câmara Municipal de Rorainópolis

Série de denúncias de grilagem são relatadas por moradores do Sul de Roraima

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Terras, da Assembleia Legislativa de Roraima, iniciou os trabalhos nessa segunda-feira (24), em Rorainópolis, para apurar denúncias de fraudes e grilagem no Sul do Estado. Moradores e produtores fizeram uma série de relatos.

Em Rorainópolis, na Vicinal Zé Valdo, a presidente da Associação de Agricultores Familiares local, Adriana Cunha, denunciou os obstáculos enfrentados pelos pequenos agricultores. Segundo ela, há anos cerca de 60 famílias aguardam a regularização fundiária.

“Toda vez que a gente vem [ao Iteraima], logo dizem que a nossa terra está com sobreposição. Um dia estamos sobrepondo com um, no outro dia já não estamos mais com aquele, mas com outro. Como isso é possível?”, questionou. Adriana relatou ainda episódios de violência após um grileiro cobrar a saída dos moradores da área: “A polícia chegou antes, e um oficial de justiça deu com meu marido que estava na área. Antes que ele pudesse falar que ia procurar o Ministério Público, o policial me agrediu”.

Adriana Cunha, presidente daAssociação dos Agricultores e Agricultoras Familiares da Vicinal 03 Ze Valdo do Distrito do Equador, em Rorainópolis. Foto: Nilzete Franco/FolhaBV

Em Caroebe, produtores rurais também denunciaram a grilagem e o risco de despejo de cerca de 150 famílias que vivem e trabalham na região. Eurides Antunes, diretor da Associação dos Produtores Rurais do Sudeste de Roraima, afirmou: “Nós temos famílias inteiras que vivem do que plantam, que criaram seus filhos trabalhando na terra, e agora correm o risco de perder tudo porque alguém apareceu com um papel dizendo que é dono da área.”

Eurides Antunes, diretor da Associação dos Produtores Rurais do Sudeste de Roraima. Foto: Nilzete Franco/FolhaBV

A área em questão é a apontada pelo Ministério Público de Contas (MPC) como alvo de suposta grilagem com apoio da presidente do Iteraima, Dilma Costa. Segundo Antunes, a área, que pertence à União, nunca teve sua transferência formalizada pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), e há rumores de que essas terras seriam destinadas a um projeto de crédito de carbono, beneficiando interesses externos à região.

Ele destacou ainda que mais de 100 mil hectares teriam sido registrados na margem esquerda do rio Jatapu em nome de poucos proprietários, muitos dos quais não produzem nada na terra.

“Festival de sobreposição de terras”

Procurador do MPC/RR, Paulos Sérgio. Foto: Nilzete Franco/FolhaBV

Durante a reunião, o procurador do MPC/RR, Paulo Sérgio, chamou a atenção para a situação caótica da regularização fundiária em Roraima. Ele destacou a responsabilidade do Estado em organizar e aplicar a legislação corretamente.

“Nunca vi tanto problema de sobreposição de terras em um só lugar. É um festival de sobreposição. É difícil encontrar uma terra do Estado que não tenha sobreposição. E quem sofre com isso são os proprietários de terras”, afirmou.

Paulo Sérgio também relatou casos em que posseiros, mesmo com documentação legal, tiveram suas terras ocupadas por terceiros, evidenciando falhas na fiscalização.

Os passos da CPI

Deputado estadual Renato Silva (Podemos). Foto: Nilzete Franco/FolhaBV

A investigação se concentra na regularização fundiária de áreas públicas, com foco nas autorizações de ocupação (AOS) e títulos emitidos a partir de 2020, nas glebas Baliza (Caroebe), Equador (Rorainópolis) e Ereu (Amajari).

O relator da CPI, deputado Renato Silva (Podemos), afirmou que a comissão acompanhará de perto todos os trâmites administrativos relacionados a essas concessões, buscando identificar se os pequenos produtores, que trabalham a terra há décadas, estão sendo prejudicados por irregularidades. A situação estaria beneficiando, em muitos casos, pessoas que nem residem no estado ou exercem atividades produtivas.

“Estamos recebendo muitas denúncias de possíveis grileiros adquirindo grandes quantidades de terra com o uso de laranjas, e vamos investigar se há algum benefício administrativo ou político por trás dessas ações”, declarou. Silva também destacou que, embora o prazo inicial da CPI seja de 180 dias, há possibilidade de prorrogação, e o objetivo é concluir o trabalho ainda em 2025.

A CPI das Terras seguirá com um plano de trabalho que inclui a coleta de documentos, análise de processos administrativos e a realização de oitivas com servidores do Iteraima, representantes do Incra e a população diretamente afetada.