O Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu decisão favorável ao Governo do Estado na Ação Cível (ACO 1.522), que pedia a retirada de indígenas oriundos da reserva indígena Serra da Moça na área do assentamento rural Nova Amazônia, localizada nas glebas Truaru e Murupu, na zona rural de Boa Vista.
O ministro relator da ação, Gilmar Mendes, também determinou, na decisão, que a União, o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) se abstenham de proceder o aumento da reserva indígena Serra da Moça ou qualquer comunidade indígena em Roraima.
O ministro destacou ainda que o prosseguimento da ampliação da área contraria a leitura conferida pelo STF na Petição 3.388, que determinou que a demarcação de terras indígenas deveria observar 19 condições, dentre elas a que veda a ampliação de área indígena já demarcada, o que deve servir de parâmetro para as novas demarcações.
Por fim, Gilmar Mendes ressaltou que, ainda que se trate de área desapropriada pela União para fins de reforma agrária, o Incra e a Funai não poderão proceder a eventual alargamento, visando a evitar o aumento do conflito entre índios e não índios naquela região.
Em entrevista à Folha, o procurador do Estado, Edival Braga, ressaltou que a decisão deve pautar toda a política indigenista no País.
“Esta ação judicial é do ano de 2010, fruto da nossa tese elaborada em conjunto com o ex-procurador do estado de Roraima, Francisco Weligton, atualmente Defensor público no estado do Ceará. A decisão é um marco não apenas para Roraima, e sim para as novas diretrizes da política indigenista do Brasil. Foi a primeira ação do Brasil, pois Roraima foi o primeiro estado a entrar com ação postulando ao Supremo que aplicasse a vedação de ampliação de terras indígenas num caso fora da ação da Raposa Serra do Sol. Outros Estados certamente utilizarão este caso de Roraima como precedente para resolver outras questões indígenas em seus respectivos estados.”
Ele lembrou que quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu sobre a homologação da demarcação, em área única, da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, ficaram fazendo parte da decisão 19 condicionantes que deveriam ser observadas na política de demarcação dessas áreas sob proteção federal. A condicionante de número 17 dizia explicitamente que estava vedada a ampliação de terras indígenas já demarcadas.
“Quando surgiu a demanda, em 2010, nós, da Procuradoria-Geral do Estado, elaboramos a seguinte tese: que a pretensão da União na questão da Serra da Moça seria na verdade uma tentativa de ampliação de terras indígenas transvestida de possível assentamento. Com esse julgamento, o STF consolida o entendimento de não ampliação das terras indígenas e amplia para todos os casos, e não apenas para aquele caso específico da Raposa Serra do Sol. Essa decisão do STF foi tomada com base na condicionante de número 17, integrante da decisão de homologação da TI Raposa Serra do Sol, e é uma decisão inédita que poderá ser estendida a casos semelhantes no Brasil”, destacou.
Braga afirmou que há mais de 20 pretensões de demarcações de terras por órgãos indigenistas somente em Roraima, além das ampliações de algumas Terras Indígenas fora da Raposa Serra do Sol, entre as quais da Terra Indígena Serra da Moça, que avançaria rumo a dezenas de propriedade privadas, a maioria de tamanho pequeno. Por conta disso, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) entrou com a ação ordinária pedindo que fosse impedida a expansão daquela terra indígena, com base na condicionante de número 17, do julgamento da Raposa Terra do Sol.
“A ação foi impetrada por mim (Edival Braga) e por Francisco Welington, pois tínhamos documentos oficiais mostrando que a Funai tem pretensões de ampliar mais de 20 terras indígenas no Estado, de modo que a decisão do Supremo põe um fim ou veda esse tipo de pretensão”, disse.
Para o procurador, a decisão abre precedentes para um cenário de segurança jurídica na questão fundiária do Estado. “Possivelmente vão ingressar com agravo regimental, mas a tese é vencedora e, caso vá para o plenário do Supremo, a decisão, não devemos ter mudança nessa questão. A demarcação de mais terras indígenas inviabilizaria qualquer pretensão de investimentos em Roraima, porque certamente essa política não é atrativa para investimentos”, frisou.
Relembre o embate pela Fazenda Bamerindus e a história da ampliação da área indígena
A ação é um desdobramento da decisão do próprio STF, que confirmou, há 10 anos, a demarcação contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol e foi assinada pelo titular da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), Edival Braga, e pelo ex-procurador, Francisco Welington, que ingressaram em 2010, no Supremo, com uma ação cautelar para impedir a entrada ou permanência de índios no assentamento Nova Amazônia.
A ação contra a União, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) alegando ofensa à 19ª condição imposta pelo STF no julgamento da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, que assegura a participação dos entes federados no procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas encravadas em seus territórios. Segundo o governo roraimense, no entanto, “em momento algum o Estado foi instado a se manifestar no conflito deflagrado no Projeto de Assentamento Nova Amazônia, que diz respeito à demarcação da Reserva Serra da Moça”.
A área do projeto de assentamento em questão teria sido invadida por um grupo de oito famílias indígenas procedentes da terra indígena Serra da Moça, que reivindicariam a extensão da sua reserva. E haveria a ameaça de outros 400 índios invadirem a área do assentamento. A área localizada na região da antiga Fazenda Bamerindus foi desapropriada e incorporada ao patrimônio da União para fins de reforma agrária.
O grupo indígena “apressou-se em denominar a área invadida de Comunidade Indígena Lago da Praia”, afirmava o governo estadual na ação. E isso ocorreu, segundo ele, “sem qualquer respaldo do Poder Público”, vez que “não se trata de terra ocupada tradicionalmente pelos índios, mas de uma invasão recente”. Para o estado de Roraima, mesmo assim a União, o Incra e a Funai estariam dando respaldo à invasão, “com a adoção de medidas tendentes não apenas a legitimar a invasão, mas, sobretudo, a torná-la, dentro em breve, mais uma área indígena no estado de Roraima, que ainda deplora e padece a recente perda da Raposa Serra do Sol”.
O procurador argumenta ainda que “a ampliação das terras indígenas já demarcadas pode inviabilizar o desenvolvimento econômico e social do estado, imprimindo-lhe uma eterna dependência de recursos federais para manutenção da própria máquina estatal, impedindo que Roraima execute um plano regional de desenvolvimento”.
O PA Nova Amazônia está localizado na região da antiga fazenda Bamerindus, que foi repassada ao governo federal pelo banco Bamerindus em ação de dação em pagamento, para quitar dívidas do banco com a União. O local possui 3,3 mil hectares e é contíguo à área indígena, que possui 11.626 hectares para uma população de 441 índios. Depois de incorporada ao patrimônio da União, foi destinada para a política nacional de reforma agrária.