SAÚDE MENTAL

Adoecimento mental e suicídio crescem entre jovens indígenas

Jovens indígenas se matam mais do que brancos e negros da mesma idade no Brasil.

Quase 45% dos suicídios entre indígenas foram de jovens de até 19 anos. Foto: Joédson Alves/EBC
Quase 45% dos suicídios entre indígenas foram de jovens de até 19 anos. Foto: Joédson Alves/EBC

Apesar dos números do Ministério da Saúde ainda apontarem que o índice de suicídio entre a população indígena se concentra entre os idosos, a crescente incidência entre jovens gera preocupação. Em entrevista concedida à EBC, a psiquiatra e pesquisadora Jacyra Araújo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), explicar esse adoecimento não é uma tarefa simples. De acordo com a especialista, a questão é cultural.

“Alguns autores acreditam que os jovens indígenas são mais vulneráveis já que eles estão mais deslocados da cultura deles do que os idosos e eles estão vivendo uma deterioração do meio em que eles vivem mais intensa do que os idosos indígenas. E isso pode estar adicionando o acesso ao álcool e a dificuldade de acesso ao tratamento em saúde mental levando os mais jovens a optarem pelo suicídio.”

De acordo com o relatório “Violência contra os Povos Indígenas no Brasil“, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), no ano passado, de cada três indígenas que tiraram a própria vida, um tinha no máximo 19 anos. A antropóloga Lucia Helena Rangel, que elaborou esse levantamento, explica que a situação é mais grave entre os homens jovens que, diante de tanta violência, se veem sem saída.

“Entre 14 e 29 anos, o grosso está aí nessa faixa, jovem, masculina, muito provavelmente essa associação entre contextos tensos violentos e suicídios de jovens que apontam para situações meio sem saída. Uma tentativa de procurar espaços em outas dimensões, espirituais, sobretudo, onde há paz.”

Um relatório epidemiológico do Ministério da Saúde, publicado em 2017, já tinha mostrado que 44,8% dos suicídios entre os povos indígenas envolviam crianças e adolescentes de 10 a 19 anos, uma porcentagem oito vezes maior do que o observado entre brancos e negros de mesma idade (5,17% em cada).

O perfil dos óbitos é considerado “peculiar”, segundo Jesem Orellana, da Fiocruz Amazônia, que também participou da pesquisa liderada por Paiva. Na população geral, a maior taxa é observada entre pessoas com mais de 70 anos.

“O cenário se inverte com os indígenas e eu acredito que isso se dá muito em função da falta de expectativa do jovem com o amanhã, essas desilusões em relação ao território, à possível inserção socioeconômica e à desestruturação das famílias”

O adoecimento mental da população gera preocupação para o Ministério da Saúde, responsável pelas políticas públicas de combate ao problema, como destaca o psicólogo da Secretaria de Saúde Indígena da pasta, Matheus Cruz.

“A faixa etária que mais preocupa é a de 15 a 29 anos e isso se deve muitas vezes a fatores como conflitos geracionais, familiares, passagem para a vida adulta, mas também outros fatores socioeconômicos, que se manifestam pela ausência de projetos sociais, projetos que envolvam perspectiva profissionalizante, e os processos de alcoolização, que se encontram intensos em algumas localidades, acabam se associando à baixa perspectiva de crescimento socioeconômico de alguns jovens.”

De acordo com o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, de 2021, o triste cenário que leva jovens indígenas a desistirem da própria vida pode ser explicado pela passagem para a vida adulta, que chega como um momento crítico, sobretudo nas transformações socioculturais, a partir do contato com a sociedade não indígena.