Saúde e Bem-estar

Cada vez mais jovens universitários estão suscetíveis a transtornos mentais

Segundo pesquisa, 30% dos alunos de graduação em instituições federais no Brasil procuram atendimento psicológico

Algumas universidades brasileiras têm se mobilizado para que as diretorias olhem com mais cuidado para o problema do sofrimento psíquico e dos transtornos mentais de seus estudantes. Em setembro do ano passado, a Faculdade de Economia e Administração da USP lançou uma campanha chamada “Isso não é normal”, na qual os alunos anonimamente declararam o que sentiam no ambiente universitário. As respostas relatavam ataques de ansiedade, desmotivação, problemas para dormir, depressão e pânico.

Para o psicólogo Pablo Castanho, professor e coordenador da clínica-escola Durval Marcondes do Instituto de Psicologia da USP, esse quadro não é um fenômeno atual. “Essa demanda de sofrimento psíquico dos alunos de graduação e pós tem chamado bastante atenção na USP e no exterior. Mas, há mais de 20 anos eu já atendia pacientes com as mesmas questões.”

O que causa a impressão de aumento no número de casos, segundo Castanho, é a abertura que temos para tratar o assunto hoje em dia. Isso porque as pessoas estão mais atentas para perceber mudanças de comportamento. “Na USP, existe um movimento de professores entrando em contato com o Instituto de Psicologia, preocupados sobre como podem perceber que um aluno está mal”, revela o professor.

Os motivos
Há cinco fatores que podem explicar a ocorrência de sofrimento psíquico e transtorno mental nos estudantes universitários, de acordo com o psicólogo e professor Pablo Castanho. No entanto, nenhum motivo é a causa isolada do problema.
Influência do mercado de trabalho
Para o professor, as universidades estão cada vez mais próximas do mercado de trabalho e as cobranças que existem na atividade profissional chegam à universidade. “Isso vulnerabiliza muito a pessoa”, afirma.
Além disso, ocorre uma “competição predatória”, segundo ele a classifica, “inibindo o fairplay”. Os alunos estão o tempo inteiro em competição por bolsas de estudos, vagas de estágio, liderança nas empresas júnior e intercâmbio, por exemplo.
“Em algumas universidades, a média é criada por um critério comparativo. Para um aluno ir bem, outro necessariamente precisa ir mal. Então, acontecem coisas como alunos que escondem livros da biblioteca, ou arrancam páginas para que outros não consigam estudar”, conta Castanho.
Para ele, todo o caminho da formação está impregnado por valores profissionais e mercadológicos. “As crianças estão expostas desde cedo, acreditam que têm que ascender rapidamente. Ao mesmo tempo, elas não aprendem a lidar com esse ambiente competitivo e ficam inseguras e vulneráveis para lidar com as cobranças.”
Mas ele alerta que a solução não está na volta ao modelo de universidade de décadas atrás. “Uma coisa é uma relação com o mercado de trabalho, outra é mimetizar as relações sem se dar conta disso. É preciso fazer uma inserção crítica e investir na solidariedade entre os alunos, evitando mecanismos excessivamente competitivos no dia a dia.”

A desarticulação do coletivo
Ao contrário do que se costuma pensar, a pressão da universidade não é a única causa do sofrimento. “Por pior que sejam a pressão pelo resultado, as críticas e ataques aos alunos, e a exposição de estudantes que vão mal, existem estratégias de lidar com isso. O grande problema é a desarticulação dos coletivos.”
Para o psicólogo, com o acirramento da competitividade, o conjunto de alunos perde a força de unidade e não se organiza para enfrentar essa situação ou mesmo se ajudar mutuamente.
Crise do modelo de vida
O sofrimento psíquico pode estar associado a uma crise do modelo de vida que muitos estudantes levam até chegar à universidade. “Principalmente os que passam em vestibulares concorridos dedicaram boa parte de suas vidas ao estudo para a prova. Depois que eles passam, não sabem se realmente valeu a pena”, explica Pablo Castanho.
Para o professor, é como se os alunos abrissem mão de uma vida equilibrada para buscarem uma posição. Na universidade, “começa a cair a ficha” de todas as privações e sacrifícios que antes pareciam naturais.
Perda de referências
Quando se muda de cidade para cursar a graduação, o universitário passa por uma série de mudanças que demandam “rearranjos psíquicos”. Segundo o psicólogo, quando se sai do grupo em que cresceu, perdem-se referências.
“Muitos alunos saem de contextos nos quais são destaques, com ótimos desempenhos, e, quando chegam à universidade, percebem que são na verdade medianos, quando se deparam com outras pessoas de mesmo nível. É aquela história de ser peixe pequeno em aquário grande ou peixe grande em aquário pequeno. Eles passam, então, por uma quebra da autoimagem e isso gera sofrimento.”

Falta de significado
Para o psicólogo, o sofrimento é inerente a um intenso período de estudos, como da universidade, mas é preciso tomar cuidado para que esse incômodo não se torne um adoecimento psíquico.
Para isso, é preciso um contraponto, que pode ser encontrado no significado que a carreira tem para o estudante.
“Uma carga de trabalho muito grande na universidade e a privação de sono são extremos que deixam o aluno mais vulnerável. O fato de ter algo estressante ou desprazeroso não é o problema. Se aquilo faz um sentido na vida da pessoa, é mais fácil passar por dificuldade de lidar com aquilo. Se a pessoa está em uma carreira que não faz sentido, não tem como lidar com toda a carga emocional que ela exige”, conclui.
Fonte: Huffpostbrasil

Psicanalista fala sobre formação em ensino superior

Roberta D’Albuquerque é psicanalista, escreve semanalmente neste espaço e em
diversos jornais do Brasil sobre infância e comportamento

 

 

Na terça-feira passada, observei comovida minha mãe, beca, maquiagem e sorrisos, subir segura três degraus que a separavam dos colegas da faculdade que frequentou nos últimos anos. Andou a passos firmes no palco iluminado, cumprimentou convidados e professores e se fez ouvir sem uma única titubeada na voz, enchendo o auditório com sua presença. Jurou honrar a sua formação. Jurou agir de forma ética. Jurou ser constante ao zelar pela segurança e saúde da sociedade. O que estava posto na fala, na cena, na noite, era a potência dessa mulher, sua esperança no futuro – e a minha também.
Formava-se em gastronomia, depois de décadas de medicina. Deu forma a um desejo antigo. Um caminho que ultrapassa a validação de uma nova profissão, o que diz muito sobre ela e sua relação com o tempo. Penso que estamos permanentemente nos construindo ao longo da vida, seja uma reforma de contenção de danos, seja uma manutenção ou uma mudança na decoração. Mas quando se toma coragem para derrubar uma parede e levantar outra é que moldamos quem somos/seremos de fato.
Quando criança, imaginava que minha mãe tinha nascido médica. Era como se para mim jamais tivesse existido uma Ana Maria jovem, menina e muito menos bebê. Tinha chegado ao mundo a partir do momento que colocou um estetoscópio em volta do pescoço. Não era uma sensação descabida, foi uma pediatra brilhante. Verbo no passado por sua própria vontade.
Trabalhou, trabalhou e um dia acordou decidida a parar com a medicina. Deixou para trás a posição de autoridade em um assunto e abraçou livros, cadernos, dúvidas, trabalhos e provas para recomeçar.
Nada pode definir melhor a formatura. Permitir-se outras formas. Permitir-se a transformação. Nem precisava ter jurado nada. Honra, ética, zelo e constância são os seus ingredientes principais minha mãe. Viva tu!