Saúde e Bem-estar

Câncer mais comum entre as mulheres pode ser erradicado com exame e vacina

O câncer de colo do útero, que registra mais de 16 mil casos anuais no Brasil, é uma doença que não só pode ser diagnosticada precocemente, como também é, principalmente, evitável

Quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou a Estratégia para Acelerar a Eliminação do Câncer de Colo do Útero, em novembro de 2020, a saúde pública brasileira, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), já oferecia o acesso ao exame de Papanicolau e a vacina para meninos e meninas contra o vírus HPV, duas medidas capazes de erradicar a doença, que é o terceiro tipo de câncer mais comum entre as brasileiras, com 16.710 novos casos previstos para 2022, atrás apenas do câncer de mama e do colorretal.

Embora o exame e a imunização estejam disponíveis pelo SUS, gargalos nas cinco regiões do país impedem que a incidência de câncer de colo do útero diminua. As metas globais para a eliminação do câncer do colo do útero são a marca de 90% de cobertura da vacina contra o HPV em meninas antes dos 15 anos; 70% de cobertura de rastreamento com teste de HPV em mulheres de 35 a 45 anos; e 90% de cobertura de tratamento de doenças do colo do útero (pré-câncer e câncer), incluindo cuidados paliativos.

Na contramão destes números, a adesão no Brasil é baixa. Em 2019, apenas 22% dos meninos e 51% das meninas foram imunizados. Vale ressaltar que é fundamental também imunizar os meninos para se evitar toda a cadeia de transmissão, assim como para prevenir outros tipos de câncer que têm o HPV como fator de risco: tumores de cabeça e pescoço (principalmente de orofaringe), pênis e ânus.

“Além da baixa taxa de cobertura da vacina contra HPV, o Brasil sofre com a falta de acesso ao exame de Papanicolau e, como reflexo disso, a região Norte registra prevalência de colo do útero similar à do câncer de mama”, alerta a cirurgiã oncológica Ana Carolina Anacleto Falcão, vice-diretora de Comunicação da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO).

Dados do estudo EVITA trouxeram alguns motivos mais frequentemente relatados para a não realização do Papanicolau: falta de vontade em 46,9%, vergonha ou constrangimento em 19,7%, e falta de conhecimento em 19,7%. Este estudo também demonstrou que a baixa adesão ao papanicolau está associada a disparidades sociais, menor renda, nível educacional e parceiro estável.
Somado a isso, o efeito da pandemia de Covid-19, que comprometeu o diagnóstico e a prevenção de câncer e impactou na cobertura vacinal para outras doenças, que também caiu. 

TRATAMENTO DAS PACIENTES COM CÂNCER DE COLO DO ÚTERO

A cirurgia é o primeiro tratamento de escolha para as pacientes com diagnóstico de câncer de colo do útero e a habilidade do(a) cirurgião(ã) oncológico(a) é essencial para o sucesso do tratamento e melhor prognóstico. Os principais procedimentos são histerectomia radical (retirada do útero e dos ligamentos que o fixam na pelve e de dois a quatro centímetros do fundo da vagina); mapeamento linfático e biópsia de linfonodo sentinela; retirada por laparoscopia dos linfonodo retroperitoneais, um procedimento minimamente invasivo para determinar a extensão do câncer e ajudar a planejar o tratamento/ assim como técnicas de preservação da fertilidade, incluindo traquelectomia radical, uma cirurgia altamente especializada que pode ajudar algumas mulheres a manter a condição de ter filhos. Complementar à cirurgia, nos últimos anos, foi demonstrada a superioridade do tratamento com quimioterapia e radiação, em vez de apenas radiação. Os mais recentes ensaios clínicos não demonstraram, até o momento, avanços significativos em terapias-alvo e na imunoterapia para câncer de colo uterino.

 MAIS DE SEIS MIL MORTES ANUAIS

O Brasil registra mais seis mil mortes anuais por câncer de colo do útero. As chances de cura são menores quando a doença evolui para metástase. O tumor pode se espalhar para órgãos próximos, como a vagina, bexiga ou intestino grosso/reto (colorretal), mas também há casos de metástase à distância, chegando a órgãos como fígado, cérebro e pulmão. Esta semana, com o anúncio da morte de Françoise Forton, foi noticiado que a atriz havia recebido o diagnóstico de câncer de colo do útero por duas vezes em sua vida (1989 e recentemente) e que a doença, no segundo caso, chegou ao pulmão.

A ÍNTIMA RELAÇÃO ENTRE HPV E CÂNCER DE COLO DO ÚTERO

A contaminação pelo vírus HPV é fator causal para quase todos os casos de câncer de colo do útero. Para imunização dos HPVs oncogênicos 16 e 18, que são responsáveis por 70% dos tumores malignos no colo uterino, há vacina disponível na rede pública. A vacina quadrivalente, que protege contra os HPVs 16 e 18, também previnem os HPVs 6 e 11, que são responsáveis pela maioria das verrugas genitais.

A vacina quadrivalente é aplicada gratuitamente pelo SUS e é indicada para meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos, pessoas que vivem com HIV e pessoas transplantadas na faixa etária de 9 a 26 anos. Em razão da baixa adesão às campanhas de vacinação contra HPV e gargalos no acesso ao exame Papanicolau, o Brasil apresenta alta incidência e mortalidade por câncer de colo do útero.

GARGALOS NO BRASIL E DISTÂNCIA PARA CANADÁ, REINO UNIDO E AUSTRÁLIA

Em alguns estados, principalmente na Região Norte, os tumores de colo uterino superam o câncer de mama. O problema é mais acentuado no Amazonas, que registra 40 casos para cada 100 mil mulheres. Na sequência, vem o Amapá, com 33 casos para cada 100 mil. Comparativamente, em São Paulo, são 6 casos para cada 100 mil.

A prevalência de câncer de colo do útero em São Paulo é similar ao cenário do Canadá, que registra 5,7 casos para cada 100 mil mulheres. Entre as canadenses, a mortalidade é de 1,7 casos para cada 100 mil. O Canadá apresenta taxa de cobertura vacinal acima de 80%. O mesmo ocorre com o Reino Unido e Austrália, que também registram 1,7 mortes pela doença para cada 100 mil mulheres.

O abismo mundial fica ainda mais evidente quando se compara com os países de menor IDH. Na Suazilândia, no sul da África, são 75,3 casos e 52,5 mortes para cada 100 mil mulheres. Na América do Sul, o maior impacto da falta de acesso se dá na Bolívia, que registra 38,5 casos e 19,0 mortes para cada 100 mil bolivianas.