Depois de um ano dedicado aos estudos, teve início os últimos dias de outro período muito sério para as crianças: as férias escolares de verão. Deixar os cadernos de lado, dormir até mais tarde, brincar à vontade, explorar novos mundos e ficar sem fazer nada passaram a ser a nova realidade – mas se engana quem vê nessa rotina apenas uma pausa no que realmente interessa.
Especialistas consideram que as férias desempenham um papel fundamental na vida da criança, e não apenas porque permitem recuperar as energias. Elas representam, principalmente, uma oportunidade preciosa para desenvolver de maneira lúdica uma série de habilidades motoras, sociais e emocionais pouco estimuladas durante a correria do ano letivo.
Cabe aos pais, muitas vezes confusos sobre o que fazer com as crianças durante os dois meses de recesso escolar, fornecer as coordenadas para que a temporada seja realmente proveitosa. O mais importante de tudo é que as férias tenham propósito, defende Tânia Ramos Fortuna, professora de psicologia da educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora do programa de extensão universitária Quem Quer Brincar?
– A primeira questão é se, quando a gente pensa em férias, pensa em tempo livre de alguma coisa ou tempo livre para alguma coisa. A maioria de nós pensa em tempo livre das aulas, de acordar cedo, da obrigação de ir a algum lugar, da obrigação de fazer isso ou aquilo. E essa é a grande cilada. Falta pensar no para quê do tempo livre. Ao deixar de pensar no para quê, a gente usufrui menos o tempo livre, com menos qualidade e até de forma menos efetiva. Em outras palavras, trata-se de ser senhor do seu tempo. Quando a gente se adona do tempo, as férias passam a ser uma experiência de vida importante, inclusive para crianças bem pequenas, que se tornam sujeitos da sua própria existência – aponta Tânia.
Não adianta trocar uma agenda cheia por outra
Aproveitar bem as férias não quer dizer trocar a agenda cheia do período escolar por uma outra agenda repleta, que ocupa cada instante do dia – uma atitude que os adultos podem ser tentados a tomar para garantir que os filhos estejam entretidos e ocupados, permitindo que eles próprios possam dedicar-se a seus afazeres.
Afinal, uma das funções do recesso escolar é permitir que as crianças relaxem e possam explorar o mundo a sua volta sem tantos compromissos. É um momento de descontração, mas que pode render frutos relevantes.
– A gente aconselha que o período de férias tenha uma flexibilidade maior, não tenha tanta rigidez em relação às rotinas. As férias funcionam para a criança poder explorar mais livremente o ambiente, ter acesso àqueles brinquedos não tão formais, não tão prontos. Com isso, ela pode desenvolver a criatividade, a capacidade de simbolização e a própria socialização. Ela vai se reunir com os amigos, e aí não tem professora organizando a brincadeira. As crianças que têm de organizar, pensar as regras, preencher esse tempo, o que significa desenvolver habilidades sociais e aprender a se organizar no tempo e no espaço – observa a psicóloga Cristina Lessa Horta, doutoranda da PUCRS.
A flexibilidade típica das férias não significa deixar que a criança se esbalde diante da TV ou com videogames. Cabe aos pais oferecerem outras possibilidades. O ideal é que a própria criança participe da definição daquilo que vai ser feito com o tempo livre – escolhendo entre opções propostas pelo adulto, se for pequena, ou traçando seus próprios projetos, se já estiver mais crescida.
A oportunidade de assenhorar-se do tempo proporcionada pelas férias é fundamental para que a criança desenvolva sua autonomia e tenha uma relação saudável com as horas livres, algo que poderá ter um efeito positivo na vida adulta.
– O bacana das férias é ter uma experiência saudável com o tempo, que não reforce a relação dicotômica que depois vai nos torturar tanto na vida adulta, a tensão entre trabalho versus lazer. No caso da infância, a tensão entre estudar e estar na escola versus brincar, a ideia de que o tempo das férias é o tempo do paraíso e o tempo da escola é o da tirania – afirma a professora da UFRGS, Tânia Ramos Fortuna. – Uma aprendizagem saudável do tempo previne a nossa culpa adulta pelo tempo livre, a obsessão de preencher o tempo. Não são raras as queixas de adultos infelizes durante as férias, porque almejaram tanto aquele tempo livre de alguma coisa, mas não sabem o que colocar dentro dele, e ao mesmo tempo sentem escoar esse tempo entre os dedos, e a cada dia é menos um dia de férias, o que acaba sendo motivo de sofrimento – pondera.
A importância de aproveitar esses dias preciosos das férias não quer dizer que ficar sem fazer nada esteja proibido. Pelo contrário. Deixar que a criança tenha um tempo para si mesma é outra experiência existencial rica.
– Às vezes, a gente esquece que a rotina das crianças também é difícil, que o horário é uma pressão, que elas têm muitas atividades: escola, tema, natação, aula de inglês. É muito importante que nas férias a criança possa relaxar, ter tempo de fazer o que ela quer, ter a possibilidade de escolher o que fazer e inclusive fazer nada – observa a psicóloga Luiza Maria de Oliveira Braga Silveira, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.
Fonte: GauchaZH
Doce de jaca
Por Roberta D’albuquerque
Pai, mãe e duas filhas tinham o desejo de ter uma casa na praia. Moravam pertíssimos do mar, morariam quase na areia alguns anos depois dos dias da “faca de se jogar fora”, e ainda assim, nutriam a fantasia da casinha avarandada, com uma rede para cada um, um terraço cheio de vento quente, uma padaria para comprar pão doce de goiabada ruim (mas bom), um carro com o porta-malas cheio às sextas-feiras, um domingo de volta para a cidade. Tinham os quatro o sonho de construir memórias de veraneio.
Nunca compraram a casa, chegaram a ter um terreno e um desenho na mão, mas venderam o lugar antes do primeiro tijolo. Vez por outra, separavam um janeiro para testar o litoral. Como se comprometer sem antes experimentar a geografia? Tamandaré, Carneiros, Serrambi. Voltavam cheios de promessas e braços marcados de sol e muriçoca. Mas bastava março encostar em fevereiro e os planos das férias de julho se avizinhavam para biquínis e projetos encontrarem espaço no fundo da gaveta.
Ontem, depois de um almoço no inverno paulistano gelado, tive a certeza de que mesmo sem a casa, vivemos uma infância de rede e vento quente. Veraneamos. Estávamos, meu companheiro e eu, em um restaurante nordestino, entregues a carne de sol, cuscuz e macaxeira molinha, queijo coalho e manteiga de garrafa. Já certa de negar a sobremesa e partir para o café coado, na vontade de desabotoar a calça tamanha a devoção gastronômica, ouvi dele o pedido. Queria quebra-queixo e doce de jaca. Pelo menos uns vinte anos me separavam da última vez que comi jaca.
Já na primeira colherada do doce, lembrei-me de meu pai que a cada uma das casas de temporada alugadas, emprestadas, visitadas, resmungava aos risos que a faca que descascara a jaca para o doce era agora de se jogar fora de tão grudenta. Minha mãe levava os bagos da fruta para o fogo com água e açúcar e precisava de menos de meia hora para transformar os três ingredientes na melhor sobremesa do mundo. Lembrei-me de minha irmã me levando pelo braço enquanto perseguíamos o barulho do sininho do vendedor de quebra-queixo, patrimônio imaterial das tardes do litoral pernambucano.
Memórias construídas não a cimento e tijolo, mas a jaca, açúcar, coco e jogos de talheres incompletos. Viva Ana Maria, João e Poly: minhas férias, meus doces, o sol nordestino que carrego sempre comigo.