Segundo levantamento do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA) publicado em 2020, os adolescentes estão experimentando bebidas alcoólicas cada vez mais cedo. A idade média da primeira ingestão é de 12,5 anos. Entre estudantes de 13 e 15 anos de idade, 55% já consumiram bebida alcoólica, 23,8% ingeriram álcool no último mês e 21,4% já sofreram algum episódio de embriaguez. Outro estudo, lançado recentemente pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), aponta que 7 milhões de adolescentes abaixo dos 18 anos já fizeram uso do álcool pelo menos uma vez na vida, o que corresponde a 34% deste público no Brasil.
As consequências desse cenário, alerta a vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos sobre o Álcool e outras Drogas (ABEAD), Alessandra Diehl, são preocupantes. “Pesquisas apontam que quanto mais cedo se começa a usar álcool, maiores as chances de se desenvolver o alcoolismo na vida adulta”, observa a especialista, que ressalta a lucratividade envolvida na indústria do álcool. “Uma verba milionária é voltada para propagandas que atingem em cheio adolescentes, especialmente na promoção de esportes e programas destinados a esse público. Campanhas de marcas de cervejas, por exemplo, têm grande influência entre os mais jovens”, comenta. Ela lamenta que a legislação no Brasil ainda não impeça a publicidade de álcool direcionada a crianças e adolescentes.
Segundo o CISA, 43% dos jovens que relatam já ter ingerido álcool obtém a substância em festas; 17,8% com amigos; 9,4% com alguém da família; 3,8% em casa, sem permissão; 3,8% dando dinheiro para que alguém compre; e 1,6% com vendedores de rua. Entre as motivações para o consumo, estão a pressão social e aceitação pelo grupo de amigos, o exemplo de pais e familiares, o comportamento típico adolescente de assumir riscos e a percepção equivocada de que é normal beber com frequência e em quantidades exageradas.
A vice-presidente da Abead explica que o alcoolismo é considerado uma doença crônica caracterizada justamente pelo consumo excessivo de álcool. Apesar da droga ser considerada lícita, suas consequências podem ser letais. “Quem começa a beber na adolescência tem duas vezes mais chances de sofrer lesões não intencionais quando está sob influência do álcool”, destaca Dra. Alessandra.
Além disso, entre os jovens, os danos provocados podem ser tanto biológicos quanto sociais. Há a possibilidade de comprometimento do sistema nervoso, que ainda está em uma fase de desenvolvimento, além de relação com a queda no rendimento escolar, violência, acidentes de trânsito, sexo desprotegido e gravidez precoce e indesejada. “Outra preocupação é o fato de que o álcool pode ser a porta de entrada para outras drogas. Por isso é tão importante que pais, autoridades de saúde e órgãos regulatórios atuem na prevenção do alcoolismo”, diz a médica.
Mulheres adultas
O consumo de álcool em excesso também tem envolvido mais mulheres nos últimos anos, aponta a última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS). De acordo com o levantamento, 17% das entrevistadas afirmaram terem bebido uma vez ou mais por semana em 2019. Trata-se de um índice 4,1 pontos percentuais acima do registrado em 2013. O resultado da PNS foi divulgado no ano passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Conforme a Dra. Alessandra, essa tendência leva a uma série de preocupações, uma vez que as mulheres são mais vulneráveis aos efeitos do álcool no organismo do que os homens. Isso ocorre devido a características físicas e biológicas do corpo feminino. “É o caso do menor volume de água corporal nas mulheres. Isso interfere na metabolização do álcool no estômago”, comenta ela, ao pontuar ainda que o contato do álcool com hormônios femininos – estrógenos e progesteronas – pode aumentar o dano hepático junto a esse público.
No caso das mulheres, o alcoolismo costuma ser uma morbidade secundária e não primária, como ocorre com os homens. A dependência pode vir em decorrência de transtornos psiquiátricos do humor, como mania e depressão, de ansiedade e de personalidade borderline. Ao buscar ajuda, esse público pode lidar com sentimentos de culpa e medo, devido ao estigma de que a mulher não pode se intoxicar, e ainda com a falta de apoio do parceiro para começar o tratamento. “É comum ainda encontrarem um sistema de saúde com carências em relação a serviços especializados, voltados às necessidades dessas pacientes”, acrescenta Dra. Alessandra.
Em geral, as mulheres que apresentam alcoolismo têm um perfil parecido – baixa escolaridade, baixa autoestima, históricos de violência e/ou abuso sexual, conflitos familiares e vínculos afetivos enfraquecidos. Nesse contexto, o consumo do álcool, aponta a médica, pode estar relacionado ainda a um mecanismo para lidar com a timidez e ansiedade.