Mães de crianças com síndromes, deficiências e alergias alimentares voltaram a procurar a Folha diante da contínua falta de fórmulas nutricionais específicas, que deveriam ser fornecidas pelo Centro de Recuperação Nutricional Infantil (Cernutri). Depois de 9 meses sem o fornecimento adequado, elas relataram como enfrentam a situação para manter os filhos.
Uberlande Praseres, mãe de Maya, de 2 anos, que tem hérnia diafragmática congênita, diafagia e refluxo grave, relata ao jornal a falta de fórmula desde março. A menina precisa de 12 latas de uma fórmula que custa R$ 280 a unidade. Após dois meses sem receber o leite, a mãe tem regrado o alimento para suportar as necessidades da menina.
“Minha filha já ganhou na Justiça, o direito de receber as fórmulas ou o valor [das latas], mas até agora nada. Para completar, o Bóton dela também nunca chegou e não sei como fazer, pois ele custa 2.800 [reais]. Eu já estou tendo que manter, desde julho, as fórmulas. Não tenho mais de onde tirar [dinheiro]. Até meu transporte eu já vendi. Maya, hoje, está ruim porque estou tendo que regrar a fórmula e com isso, além da perda de peso, está com a imunidade baixa”, contou Uberlande.
O desespero é compartilhado por Geovanna Pereira, mãe do Isaac, de 3 anos. O menino tem paralisia cerebral e síndrome de West, além disso, chega a ter 80 convulsões por dia. No momento, ele se encontra internado no Hospital da Criança após convulsões, segundo a mãe, pela falta da fórmula.
“Há mais de 1 ano meu filho começou a fazer o uso da fórmula. Foi depois dessa fórmula que ele teve melhoras, mas eu nunca consegui pegar pelo Cernutri. […] Tudo o que fez ele voltar a ter convulsão foi a falta da fórmula porque não tinha mais de onde tirar dinheiro. Em maio fiz uma feijoada beneficente, consegui comprar para 2 meses, mas aí acabou e eu não tinha mais o que dar para ele. Dei leite normal e ele voltou com as convulsões frequentes”, relatou.
Também no hospital, a mãe de João Vitor, de 4 anos, Nicoli Johnson, relatou que o filho não consegue passar uma semana completa em casa porque ela não tem dinheiro para comprar as 18 latas de Isosorce para o mês. João tem paralisia cerebral com laringomalácia e faz uso de gastrotomia e traqueostomia. “Faz 5 meses que não recebo nada do Cernutri e estou desesperada porque meu filho não consegue sair do hospital”, lamentou.
Situação teria agravado quadro de criança
A falta de uma alimentação adequada teria agravado o quadro do pequeno Bruno Henrique Ramos Patrício, que faleceu cerca de dois meses depois da mãe dele, Sheila Ramos, reclamar do fechamento de Unidade de Cuidados Prolongados (UCP) no Hospital da Criança. A unidade era um ponto de apoio para as mães dessas crianças. Ouça o relato.
Problema se estende há 9 meses
A falta de fornecimento das fórmulas distribuídas pelo Cernutri se estendem desde o início deste ano. Nesse período, a Folha já acompanhou manifestação de pais, reunião na Câmara na Municipal de Boa Vista e diversas reclamações.
Há 15 dias, a Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) afirmou que criou protocolo de liberação de fórmulas para pacientes com alergia à proteína do leite de vaca (APLV). Ainda informou que “foi necessária uma readequação de planejamento devido a revogação da Lei 14.133, mas que além de trabalhar para que a situação seja normalizada, está cobrando a empresa para que tão logo efetue a entrega”.
Novamente procurada pela Folha, a Secretaria atualizou as informações sobre o processo e que está tomando as providências para adquirir o material. Confira a nota na íntegra.
A Secretaria Municipal de Saúde informa que conseguiu avançar no processo licitatório para o fornecimento das fórmulas e está tomando todas as providências para adquirir o material o mais breve possível. Ressalta que o processo licitatório que constam as fórmulas é composto por 29 itens e todos vêm de outros estados. Destes, 19 itens já foram homologados e a secretaria já solicitou urgência na entrega dos mesmos, entrando em contato direto com as empresas fornecedoras, para o envio imediato do que têm disponível em seus estoques. Entendemos a preocupação das mães nesse atendimento. Porém, somos obrigados por lei a cumprir os prazos legais da licitação, que é extensa e rigorosa. Tudo que pode ser feito está sendo feito.
Reforça ainda, que o município criou o protocolo de liberação de fórmulas alimentares para os pacientes APLV que são atendidos pelo Cernutri, ainda que o fornecimento não seja de responsabilidade do município.
A secretaria esclarece que a fórmula Neoadvance 400g e Ketocal 4:1 não são padronizadas pelo Cernutri e, portanto, não são distribuídas pelo município.